Tal como nós, os humanos pré-históricos usavam ferramentas dos seus antepassados pelo valor sentimental

Efrati et al, Scientific Reports 2022

Os nossos antepassados também voltavam a utilizar ferramentas antigas, mesmo que estas já não fossem tão funcionais, pelas memórias de pessoas ou lugares específicos que estas invocam.

Em muitos sítios arqueológicos pré-históricos, é comum encontrar-se ferramentas de pedra que foram usadas, descartadas e usadas uma outra vez. Um novo estudo publicado na Scientific Reports propõe uma resposta a este fenómeno.

A pesquisa aponta que a reciclagem destas ferramentas se deve a serem “objetos de memória” que representam uma ligação ao passado e às gerações anteriores, sendo exemplos físicos das memórias de locais, eventos e pessoas específicos.

Os arqueólogos observaram 49 ferramentas de pedra do famoso sítio em Revadim, em Israel, de uma camada sedimentar datada de há 500 mil anos, escreve o Science Alert.

O estudo da pátina — a camada de químicos que se acumula na pedra quando esta está exposta ao ar durante muito tempo — revelou que os objetos tiveram dois ciclos de uso.

“A escassez de materiais claramente não era a razão para esta reciclagem em Revadim, onde a pedra de boa qualidade é abundante. A motivação também não era funcional, já que as ferramentas recicladas não tinham formas diferentes ou unicamente adequadas para qualquer uso específico”, aponta o arqueólogo Bar Efrati, da Universidade de Tel Aviv.

As análises microscópicas concluíram que as ferramentas tinham duas arestas ativas, uma mais antiga e uma mais nova. No geral, a aresta mais nova mostrava que o segundo uso se restringia a tarefas menos exigentes, como raspar peles ou carne de animal, em vez de para se cortar alguma coisa.

As marcas do uso inicial das ferramentas eram também mantidas, o que sugere que havia um esforço intencional para se preservar a sua aparência, mesmo que já estivesse mais desgastada.

Estas pistas levaram os cientistas a concluir que as peças voltavam a ser usadas pelo valor sentimental. Tal como nós podemos continuar a usar uma peça de roupa, eletrodoméstico ou ferramenta — mesmo que já não sejam muito eficientes — porque o objeto nos faz lembrar alguém ou algum momento especial, os nossos antepassados faziam o mesmo.

“Imaginem um humano pré-histórico a caminhar pela paisagem há 500 mil anos, quando uma velha ferramenta de pedra atrai a sua atenção. A ferramenta significa qualquer coisa para ele — carrega uma memória dos seus antepassados ou invoca uma ligação a um certo lugar”, afirma o arqueólogo Ran Barkai.

É também possível que estas ferramentas tenham sido reusadas porque é mais fácil adaptá-las do que criar outras novas, mas ao lado dos 49 objetos reutilizados analisados, foram também encontradas várias ferramentas criadas de raiz — o que indica que estas duas estratégias eram usadas simultaneamente.

“Numa analogia moderna, o humano pré-histórico pode ser comparado a um jovem agricultor que ainda lavra os campos com o trator antigo e enferrujado do seu bisavô, substituindo algumas partes, mas preservado a máquina antiga, porque simboliza a ligação da sua família com a terra“, remata Barkai.

Adriana Peixoto, ZAP //

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