O comportamento nas aplicações de encontros tem um impacto psicológico profundo. O “ghosting” e o “breadcrumbing” parecem termos levianos, mas podem ter consequências sérias. Cuidado com os lobos-maus… nem tudo é como a história da Cinderela.
Todos os dias, milhares de pessoas em todo o mundo usam aplicações de encontros para iniciar conversas com desconhecidos, com o suposto objetivo mútuo de encontrar um parceiro.
No entanto, confiar cegamente nas intenções dos outros é o primeiro erro que muitos utilizadores cometem – a pessoa do outro lado do ecrã pode não estar, de facto, à procura do amor verdadeiro, ou de algo sequer parecido.
Na verdade, vários estudos revelaram que as pessoas usam estas aplicações por todo o tipo de razões, desde conversar até simplesmente espreitar outros perfis. Quando se trata de aplicações de encontros, a busca pelo amor verdadeiro é a última coisa em que muitas pessoas pensam.
Longe de serem uma ferramenta utilitária para encontrar pares, estas aplicações assemelham-se mais a um conto clássico infantil, repleto de personagens manhosas e desafios emocionais.
É um mundo povoado por lobos-maus, trilhos enganosos de migalhas de pão e fantasmas que desaparecem misteriosamente no ar.
O lobo-mau dos Tinders
Nesta história, o lobo espreita nas profundezas da floresta das aplicações de encontros. Tal como o lobo faminto do Capuchinho Vermelho, este lobo esconde-se atrás de um véu de engano – estudos indicam que, na fase inicial de conhecer alguém online, cerca de 7% das informações reveladas são falsas.
As pessoas mentem com frequência para tornar o seu perfil mais interessante, ou para evitar conversas embaraçosas.
Mas, enquanto nos contos infantis a verdade acaba sempre por vir ao de cima, numa aplicação de encontros pode ser muito mais difícil distinguir o que é verdadeiro do que é falso, e muitos utilizadores tornam-se desiludidos e céticos depois de serem enganados. Um mau começo para qualquer relação.
As migalhas de pão emocionais
Nesta história, muitos aventuram-se numa floresta repleta de migalhas de pão a marcar o caminho. Ao contrário de Hansel e Gretel, estas não são deixadas para assinalar o caminho de regresso a casa, mas sim para manter as vítimas indefesas, presas num labirinto emocional intricado.
A prática de “breadcrumbing” consiste em mostrar sinais esporádicos e irregulares de interesse, sem qualquer intenção real de fazer a relação avançar.
Alguém que desperte o teu interesse inicial pode deixar esses sinais de vez em quando – uma mensagem aqui, um gosto ali – para manter alguma esperança viva, mas nunca oferece muito mais. Quem segue o trilho acaba muitas vezes perdido, sem saber o que esperar em cada passo.
De acordo com um estudo de 2020, cerca de 35% dos utilizadores de aplicações de encontros já foram autores ou vítimas de breadcrumbing.
E está longe de ser inofensivo. O breadcrumbing deixa as suas vítimas presas numa teia emocional complicada, da qual é difícil sair sem danos.
Outros estudos demonstraram que, à medida que o breadcrumbing se prolonga no tempo, as pessoas podem sentir-se menos satisfeitas com a vida e mais sós e impotentes – especialmente quando percebem que quem as anda a iludir nunca teve intenção de levar a relação mais longe.
Nem tudo é como a Cinderela
Neste conto moderno, encontramos também fantasmas que, tal como nos clássicos, têm o hábito de desaparecer sem deixar rasto.
Esse desaparecimento súbito é conhecido por “ghosting”.
Interações repetidas ou prolongadas numa aplicação de encontros podem criar expectativas, por isso, quando alguém é vítima de ghosting, pode sentir-se abandonado e confuso, sem perceber o que lhe aconteceu ou porquê.
Esta perplexidade pode, por vezes, ter um impacto emocional profundo.
Aqui podemos traçar um paralelo com outro momento de conto de fadas: o encontro mágico entre a Cinderela e o príncipe. Ao conhecerem-se, sentem uma atração imediata e intensa – tal como acontece quando duas pessoas começam a conversar numa aplicação.
A Cinderela depois “faz ghosting” ao príncipe encantado, deixando-lhe apenas um sapato de cristal e um vago sentimento de confusão. Felizmente para o príncipe (e graças ao seu esforço determinado), a história acaba bem e o amor prevalece.
Pelo contrário, na versão moderna das aplicações de encontros, o ghosting raramente acaba com os protagonistas a viverem felizes para sempre.
O mesmo estudo de 2020 supracitado indicou que cerca de 20% dos utilizadores já fizeram ghosting ou foram vítimas dele.
A procura de um amor sério e fiável
Lobos-maus, trilhos de migalhas e fantasmas inconstantes são apenas alguns dos desafios que os utilizadores das aplicações de encontros têm de enfrentar. Todos podem deixar as suas vítimas céticas, cínicas, frustradas ou confusas – mas não tem de ser assim.
Tal como em Cinderela, onde a história continua depois do baile, relações significativas podem ser construídas na vida real, através de interações reais e conversas honestas e abertas. Em vez de desaparecer, os estudos científicos mostram que as pessoas sentem uma ligação maior e mais autêntica quando investem tempo e esforço a desenvolver relações que vão para além do superficial. Ao fazê-lo, constroem a base para criar a sua própria história de amor.
Estima-se que, entre os jovens adultos, dois terços das relações românticas comecem por amizade. Tal como nos contos de fadas, onde as personagens se aproximam antes de encontrarem o amor verdadeiro, uma relação sólida constrói-se com compreensão mútua, confiança e comunicação. Para citar outra história, não nos esqueçamos de como a Bela e o Monstro acabaram juntos.
Acima de tudo, temos de nos lembrar de que somos os protagonistas da nossa própria história. Está nas nossas mãos escrever o final que queremos.