A “farmácia do mundo” está sem medicamentos

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No país que já foi considerado a “farmácia do mundo”, constrangimentos no fornecimento de medicamentos têm afetado tratamentos. Analistas não veem uma solução à vista. Nem soro fisiológico há na Alemanha.

Custa apenas alguns cêntimos, mas atualmente está em falta na Alemanha. O soro fisiológico tornou-se escasso em hospitais e farmácias, apesar de ser extremamente necessário para vários procedimentos, desde operações e infusões a lavagens nasais.

De acordo com Thomas Preis, diretor da associação de farmacêuticos da região da Renânia do Norte, a situação abrange vários itens farmacêuticos e piorou drasticamente nos últimos meses.

O que já era um grande problema nos hospitais há meses, agora também tem afetado o atendimento de doentes ambulatórios”, disse Preis à imprensa local.

A Secretaria de Saúde do estado da Renânia do Norte-Vestefália confirmou os constrangimentos no fornecimento. Durante vários meses, “clínicas da Renânia do Norte-Vestefália e da Alemanha receberam apenas 80% das suas necessidades” e recentemente a percentagem caiu para cerca de 50%.

De acordo com o Instituto Federal de Medicamentos e Equipamento Médico da Alemanha (BfArM), a situação deverá manter-se nos próximos meses.

Escassez de antibióticos preocupa

Nos últimos anos, a Alemanha tem sido repetidamente afetada pela escassez de medicamentos, sobretudo antibióticos e remédios infantis. As consequências são graves: um inquérito aos membros da Associação Profissional Alemã de Pediatras (BVKJ) no segundo trimestre de 2024 constatou que cerca de um terço acreditava que a qualidade do tratamento estava em risco.

O inquérito também constatou que os tratamentos estavam a tornar-se mais demorados porque os médicos tinham que verificar com antecedência quais medicamentos estavam disponíveis.

De acordo com a Associação de Farmacêuticos Alemães, cerca de 500 medicamentos de prescrição já tiveram algum problema no fornecimento.

Outros países da União Europeia também estão a ser afetados pela escassez. De acordo com um inquérito de 2023 realizado pelo Grupo Farmacêutico da União Europeia (PGEU), a situação piorou em vários Estados-membros, incluindo a Suécia, Espanha e até Portugal.

Cadeias globais de fornecimento

As causas da escassez são complexas, tal como a fabricação de medicamentos.

A Alemanha, que conta com grandes empresas farmacêuticas como Bayer, Basf, Boehringer Ingelheim e BioNTech, já foi considerada a “farmácia do mundo”, mas atualmente a produção encontra-se globalizada. As cadeias de fornecimento são mais longas e, por isso, propensas a interrupções.

A maioria dos ingredientes ativos agora é produzida na China e na Índia. Não só os salários são mais baixos nesses países, como também as regulamentações ambientais são menos rigorosas do que na União Europeia.

A produção em massa e a monopolização tornaram-se o foco para a fabricação de medicamentos mais baratos. Assim, um número menor de fornecedores está a produzir quantidades cada vez maiores.

“Enquanto antes tínhamos dez fornecedores de xarope de paracetamol para a febre, hoje resta apenas um fornecedor principal”, explica o professor David Francas, especialista em cadeia de fornecimento da Universidade de Ciências Aplicadas de Worms, Alemanha.

Dependemos de apenas alguns fabricantes. E se um deles parar, toda a cadeia de fornecimento fica bloqueada“, reforça a professora Ulrike Holzgrabe, especialista em química farmacêutica e medicinal da Universidade de Würzburgo.

“Se houver pequenos desastres na rota de fornecimento, como o encerramento de um porto em Xangai durante a pandemia de covid-19, ou um navio a bloquear o Canal de Suez, as mercadorias não chegarão até nós”, adianta.

Produção sob procura não ajuda

Stocks limitados e produção sob procura só agravam o problema, pois a escassez temporária na cadeia de produção não pode ser compensada.

Mas os especialistas acreditam que o reabastecimento é caro. Instalações de armazenamento custam, e nunca se sabe ao certo se os medicamentos armazenados serão de facto vendidos.

As flutuações na procura são enormes: durante a pandemia de covid-19, por exemplo, a Infectopharm entrou em colapso porque o uso generalizado de máscaras gerou um declínio acentuado de várias outras doenças infecciosas.

A empresa teve de destruir stocks de antibióticos infantis caros, por não conseguir vendê-los. Dois anos depois, a procura voltou a aumentar.

O problema do preço é particularmente grave com os genéricos, que representam de 70% a 80% do fornecimento básico de produtos farmacêuticos.

As margens para a fabricação desses produtos são extremamente baixas“, explica Holzgrabe. Os fabricantes são forçados a produzir da forma mais barata possível através de acordos de desconto e outros contratos que foram introduzidos no sistema de saúde alemão anos atrás.

Embora muitos o tenham solicitado, seria difícil trazer a produção integralmente de volta para a União Europeia. Por um lado, seria complicado produzir as substâncias químicas puras necessárias para os ingredientes ativos. “Criámos uma legislação ambiental que torna isso quase impossível”, reconhece Holzgrabe.

E mesmo que fosse possível, não seria uma solução para o próximo inverno: “São necessários pelo menos cinco anos para restabelecer as instalações de produção”, explica o especialista em cadeias de abastecimento David Francas.

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