Um grupo de cientistas pode, finalmente, ter resolvido um mistério de 40 anos em torno das intrigantes explosões de raios-X que ocorrem no sistema binário conhecido como “Rapid Burster”.
Os especialistas descobriram que o seu campo magnético cria uma divisão em torno da estrela, impedindo-a de se alimentar da matéria da sua companheira estelar. O gás acumula-se até que, sob certas condições, atinge a estrela de neutrões de uma só vez, produzindo flashes intensos de raios-X.
A descoberta foi feita com telescópios espaciais incluindo o XMM-Newton da ESA e o estudo foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Descoberto na década de 1970, o “Rapid Burster” é um sistema binário compreendido por uma estrela de baixa massa no seu auge e uma estrela de neutrões – o que resta da morte de uma estrela massiva.
Nesse sistema, a atração gravitacional da estrela de neutrões rouba algum do gás da outra estrela – esse gás forma um disco de acumulação de matéria chamado “disco de acreção” e segue em direção à estrela de neutrões.
Segundo os especialistas, a maioria dos sistemas binários com estrelas de neutrões liberta continuamente grandes quantidades de raios-X. Essas explosões do “tipo-I” serão reações nucleares despoletadas quando o gás em queda – principalmente hidrogénio – se acumula à superfície da estrela de neutrões.
Mas o “Rapid Burster” é peculiar: quando está mais brilhante, emite estes flashes de raios-X e, durante períodos de emissão mais fraca, exibe explosões muito mais vagas do “tipo-II” – libertações súbitas, erráticas e extremamente intensas de raios-X.
Em contraste com as explosões do tipo-I, que parecem não representar uma libertação significativa de energia em relação ao que normalmente é emitido pela estrela de neutrões que está a acumular matéria, as explosões de tipo-II libertam enormes quantidades de energia durante períodos caracterizados pela ocorrência de muito pouca emissão.
Após 40 anos de pesquisas, as explosões de tipo-II só foram detetadas noutra fonte além de “Rapid Burster”. Conhecido como “Bursting Pulsar” e descoberto na década de 1990, este sistema binário alberga uma estrela de baixa massa e uma estrela de neutrões altamente magnetizada e de rápida rotação – um pulsar – que liberta explosões do tipo-II.
“‘Rapid Burster’ é o sistema ideal para investigar as explosões do tipo-II. É onde foram observadas pela primeira vez flashes do tipo-I e tipo-II,” afirma Jakob van den Eijnden, estudante do Instituto Anton Pannekoek para Astronomia em Amesterdão e principal autor do estudo.
De acordo com os especialistas, as explosões do tipo-II ocorrem porque o campo magnético em rápida rotação da estrela de neutrões mantém o gás que flui da estrela companheira, impedindo que se aproxime da estrela de neutrões e, efetivamente, criando uma divisão interna no centro do disco.
No entanto, à medida que o gás continua a fluir e a acumular-se neste limite, gira cada vez mais depressa e eventualmente alcança a velocidade de rotação do campo magnético.
“É como se lançássemos algo para um carrossel que gira muito depressa: o objeto seria expelido, a menos que fosse atirado à mesma velocidade que a máquina,” explica Jakob.
“Um ato de equilíbrio semelhante ocorre entre o gás em queda e o campo magnético giratório: desde que o gás não tenha a velocidade certa, não pode alcançar a estrela de neutrões e só pode acumular-se na orla. Quando atinge a velocidade certa, grande parte do gás está acumulado e atinge a estrela de neutrões de uma só vez, dando origem à dramática emissão das explosões de tipo-II.”
Este modelo prevê que, enquanto o material está a ser acumulado, deverá formar-se uma lacuna entre a estrela de neutrões e a orla do disco de acreção.
Noutros modelos, os flashes intensos são explicados como decorrentes de instabilidades no fluxo do gás movimento ou de efeitos relativistas gerais. Em qualquer um destes dois cenários, os flashes têm que ocorrer muito mais perto da estrela de neutrões e não dão origem a uma divisão.
“Uma lacuna foi exatamente o que encontrámos no Rapid Burster. Isto sugere que as explosões do tipo-II são provocadas pelo campo magnético”, adiantou a investigadora Nathalie Degenaar.
No novo estudo, os cientistas também mediram a força do campo magnético da estrela de neutrões e descobriram que é cerca de mil milhões de vezes mais forte do que o da Terra e cinco vezes mais forte do que o de outras estrelas de neutrões com uma companheira de baixa massa estelar.
Isto pode indicar que este sistema binário é jovem, sugerindo que o processo de acreção não ocorreu durante tempo suficiente para amortecer o campo magnético, como se pensa ter acontecido em sistemas semelhantes.
“Este resultado é um grande passo na resolução de um puzzle com quarenta anos na astronomia de estrelas de neutrões, ao mesmo tempo que revela novos detalhes sobre a interação entre campos magnéticos e discos de acreção nestes objetos exóticos,” conclui Norbert Scharterl, cientista do projeto XMM-Newton na ESA.
ZAP // CCVAlg