Um fenómeno quotidiano intrigou os cientistas durante séculos. Porque é que, quando abrimos a torneira, a água se estende quando toca no lavabo antes de fluir pelo ralo? A ciência tem agora uma explicação.
No século XVI, Leonardo da Vinci documentou um fenómeno curioso que podemos observar todos os dias na nossa vida quotidiana. Quando abrimos a torneira para lavar os dentes, por exemplo, vemos que a água se estende quando toca na superfície do lavabo antes sequer de cair pelo ralo.
O que surpreendeu o artista italiano intrigou, desde então, inúmeros cientistas, Meio milénio depois, estamos ainda a franzir o sobrolho ao salto hidráulico, nome pelo qual este fenómeno é conhecido. Agora, físicos da Universidade de Cambridge propuseram-se finalmente a resolver este mistério.
À semelhança do que acontece quando abrimos uma torneira, o salto hidráulico pode também ser observado em praticamente todos os lugares onde existe um encontro de correntes. A beleza deste bizarro fenómeno captou a atenção de várias mentes filosóficas ao longo dos anos, mas é nas anotações de da Vinci sobre a natureza da água que encontramos as primeiras considerações sobre como os líquidos se comportam sob diferentes tipos de fluxos.
Para da Vinci, sempre foi a natureza rara da água que fazia com que ela se comportasse desta determinada maneira. No entanto, nos séculos seguintes, a explicação primária de da Vinci foi aprimorada.
O físico italiano Giovanni Battista Guglielmini, do século XVIII, e o matemático italiano do século XIX, George Bidone, acrescentaram alguns detalhes matemáticos ao fenómeno, mas, ainda assim, nunca o conseguiram explicar.
Finalmente, em 1914, o físico John William ‘Just Call Me Lord Rayleigh’ Strutt, o terceiro Barão Rayleigh, aventurou-se numa sugestão que constava num documento sobre furos e ondas de choque líquido.
A explicação levou em conta fatores como a viscosidade, a energia cinética e a energia potencial. Todavia, investigadores que se seguiram ao Lord Rayleigh descartaram a tensão superficial, dado que o papel que esta desempenha “pode ser minimizado aumentando-se o fluxo e, correspondentemente, a profundidade da água sobre a placa”.
Assim, modelos que descreviam a ligação entre o raio do líquido de fluxo mais rápido e a altura do salto hidráulico – como uma combinação entre viscosidade, inércia e gravidade – foram favorecidos.
À medida que a água flui ao longo de uma superfície, o atrito supera a inércia e desacelera o fluido. Se a mudança na velocidade for abrupta o suficiente, desenvolve-se uma onda de choque, na qual o líquido se acumula a uma pequena distância.
Ao longo dos anos, foram muitos os cientistas que questionaram se, de facto, a gravidade desempenhava um papel importante na determinação da altura do salto hidráulico, questionando, consequentemente, a causa desse estranho fenómeno que intrigou Leonardo da Vinci durante anos.
Agora, num novo estudo, publicado no Journal of Fluid Mechanics, o investigador de engenharia química Rajesh Bhagat acredita que os cientistas podem ter sido rápidos demais em descartar a influência da tensão superficial.
“Neste estudo, provámos que a tensão superficial e as forças viscosas equilibram o momentum aquando do salto hidráulico, e que a gravidade não desempenha qualquer papel significativo”, afirmou.
O líquido tem um momentum, isto é, uma certa força que empurra o líquido para a frente. No entanto, a tensão superficial empurra-o na direção oposta porque quer contraí-lo e isso faz com que, a um certo ponto, ambas as forças estejam equilibradas, e é aqui que acontece o salto hidráulico.
Compreender este processo tem grandes implicações e “pode reduzir drasticamente o uso industrial da água”, sublinha Bhagat. “Esta teoria pode ser usada para encontrar novas formas de limpar carros e, até, equipamentos de fábrica“, conclui.
Lorde Rayleigh ficaria impressionado com as mais recentes conclusões, mas Leonardo da Vinci ficaria certamente feliz em saber, finalmente, a natureza da água e do seu fluxo hipnotizante.
ZAP // ScienceAlert