Sexo e quedas: a desnutrição em idosos em Portugal foi alvo de estudo internacional

98 idosos em lares envolvidos numa análise deste problema geriátrico subestimado, com alta prevalência em idosos institucionalizados.

A desnutrição é um problema geriátrico subestimado, com alta prevalência em idosos institucionalizados. A identificação de factores de risco para desnutrição em idosos deve ser uma prioridade para os órgãos governamentais em todo o mundo.

Assim começa um estudo publicado nesta terça-feira, na revista BMC Public Health. A investigação foi liderada por Cristina Carrasco, da Universidade de Extremadura, em Espanha – mas o foco foi Portugal.

98 idosos, todos residentes em lares de vários concelhos do distrito de Évora, foram o alvo deste estudo.

Uma das conclusões principais: as mulheres estavam mais desnutridas ou em risco de desnutrição do que os homens. Com margem considerável. O sexo faz diferença neste tópico.

A desnutrição ficou também associada a alguns factores essenciais, mais frequentes: comorbidade, artrite, comprometimento do equilíbrio, demência e quedas com lesões graves.

Em resumo, ser do sexo feminino, ter um mau estado cognitivo e sofrer quedas com lesões são dois principais factores independentes que influenciam o estado nutricional em idosos institucionalizados numa área rural de Portugal.

Contexto

O envelhecimento populacional é uma evidência em Portugal (e não só). Mas é preciso envelhecer com qualidade de vida – e a desnutrição aparece como um dos principais problemas nas sociedades mais envelhecidas.

A nutrição está relacionada com: ingestão inadequada de vitaminas ou minerais, excesso de peso, obesidade e doenças não transmissíveis relacionadas com a dieta resultante.

O declínio fisiológico acompanha inerentemente o processo de envelhecimento, afectando, entre outros indicadores-chave de saúde, o estado nutricional.

O que influencia o estado nutricional: idade avançada, sexo feminino, declínio das capacidades digestivas (mastigação, deglutição e gastrointestinais) e sensoriais, má saúde bucal, condições crónicas e outros distúrbios (perda de visão e audição), comprometimento cognitivo, polifarmácia e factores psico-sociais (por exemplo, depressão) e económicos.

Com tantas possíveis origens, é mais complicado combater a desnutrição nos idosos, sobretudo em lares.

E a nutrição afecta a qualidade de vida, as rotinas, a dependência, o risco de queda, a cicatrização de feridas, hospitalização e mortalidade, entre outros.

Objectivos do estudo

O primeiro foi traçar um perfil baseado em variáveis sócio-demográficas e de estado de saúde de idosos institucionalizados, de acordo com o seu estado nutricional.

O segundo objectivo principal foi avaliar o envolvimento dessas variáveis como factores de risco para desnutrição.

Método

Entre Março e Junho de 2018, as 98 pessoas (32 homens e 66 mulheres) com mais de 65 anos foram incluídas no estudo. Em média tinham 84 anos.

Foram realizadas entrevistas, medidas antropométricas, com colaboração também de familiares e funcionários do lar; foram avaliados o sono e o estado cognitivo dos participantes, o medo de cair e a independência.

Para identificar idosos desnutridos ou em risco de desnutrição, foi utilizado o teste Mini-Nutritional Assessment Short-Form (MNA-SF), um questionário de seis itens sobre ingestão de alimentos, perda de peso, mobilidade, stress psicológico ou doença aguda, presença de demência ou depressão e índice de massa corporal (IMC).

Resultados

22,4% dos participantes do estudo foram classificados como desnutridos (2,0%) ou em risco de desnutrição (20,4%). Os restantes 77,6% estavam bem nutridos.

As mulheres representavam 91% dos casos de desnutrição.

Mais de metade (53,7%) tinha 3 ou mais destas condições de saúde: poliomielite (25,3%), diabetes (17,9%), doenças cardiovasculares (hipertensão: 51,6%), osteoarticulares (artrose: 32,6%) e neurológicas (depressão: 14,7%) foram as condições clínicas mais frequentes.

Muitos sofrem de noctúria (65,2%), falta de equilíbrio (58,4%) e tonturas (52,8%).

No índice de massa corporal, 77,3% dos participantes apresentaram excesso de peso ou obesidade.

Em 94,6% dos casos, os participantes relataram sonolência diurna normal e 54,7% apresentaram dificuldades cognitivas.

41% dos idosos desnutridos sofreram quedas ao longo do ano anterior – contra os 21% dos idosos bem nutridos. As lesões mais graves afectaram 45,5% dos desnutridos e apenas 15,1% dos bem nutridos. O medo de cair também foi maior – muita preocupação: 54,5% vs. 32,9%.

A dependência também foi notória: em 64,3% dos participantes desnutridos.

A análise também permitiu concluir que os idosos desnutridos ou em risco de desnutrição têm muito maior probabilidade de ficarem dementes (18,2%) do que os idosos bem nutridos (2,7%).

Discussão

A idade não é um factor determinante para a desnutrição em Portugal, defende a equipa deste estudo. Há outras variáveis: sexo, viuvez, escolaridade, rendimentos e duração da estadia no lar.

Seguindo esse contexto, esta análise constatou que a maioria dos idosos desnutridos são mulheres sem companheiro, com baixa escolaridade e baixos rendimentos – um perfil de risco que é semelhante em Espanha.

A desnutrição foi mais frequente em pessoas com comorbidade (apenas para duas condições diagnosticadas), artrite e comprometimento do equilíbrio, mas não a outras condições crónicas prevalentes, como doenças cardiovasculares e diabetes.

Este foi um dos poucos estudos que analisaram o perfil e os factores de risco para desnutrição em idosos institucionalizados portugueses residentes em áreas rurais.

Conclusão

Os resultados revelaram que a prevalência de desnutrição foi menor do que a esperada nestes idosos que vivem em lares portugueses.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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