Doença neurológica desconhecida afeta cada vez mais jovens adultos no Canadá

emre keshavarz / Pexels

Estão a surgir cada vez mais casos novos em New Brunswick, que sugerem a possibilidade de a causa ser ambiental.

Segundo o The Guardian, na província canadiana de New Brunswick surgiu alegadamente uma doença neurológica progressiva que tem confundido os especialistas há mais de dois anos, parece afetar um número crescente de jovens e provocar um rápido declínio cognitivo entre alguns dos afetados.

Um funcionário da Vitalité Health Network, em entrevista com o The Guardian, uma das duas autoridades sanitárias da província, disse que os casos suspeitos estão a aumentar e que os jovens adultos sem antecedentes de problemas de saúde estão a desenvolver sintomas preocupantes.

Os sintomas incluem perda de peso rápida, insónias, alucinações, dificuldades de concentração e mobilidade limitada.

O número oficial de casos sob investigação, 48 doentes, permanece inalterado desde que foi anunciado pela primeira vez no início da primavera de 2021.

Mas múltiplas fontes afirmam que já está a atingir mais de 150 pessoas, com uma acumulação de casos de jovens que requerem uma avaliação mais aprofundada.

“Estou verdadeiramente preocupado com estes casos porque parecem evoluir tão rapidamente”, notou a fonte do The Guardian. “Estou preocupado com eles e devemos-lhes algum tipo de explicação”.

Já foram registados pelo menos nove casos em que duas pessoas em contacto com doentes, mesmo sem ligações genéticas, desenvolveram sintomas, sugerindo que podem estar envolvidos fatores ambientais.

Um dos casos envolvia um homem que estava a desenvolver sintomas de demência e ataxia, uma incoordenação patológica dos movimentos do corpo.

A sua mulher, que estava a tomar conta dele, começou subitamente a perder o sono e a sofrer de desgaste muscular, demência e alucinações.

Uma mulher na casa dos 30 anos foi descrita como não-verbal, está a alimentar-se com um tubo e baba-se excessivamente.

O seu cuidador, um estudante de enfermagem na casa dos 20 anos, também começou recentemente a mostrar sintomas de declínio neurológico.

Num outro caso, uma jovem mãe perdeu quase 28 kg, desenvolveu insónias e começou a alucinar. As imagens cerebrais revelaram sinais avançados de atrofia.

O funcionário da Vitalité, que pediu anonimato por não estar autorizado a falar publicamente e temia repercussões, realçou que decidiu comunicar devido à crescente preocupação com a velocidade com que os jovens se deterioraram.

“Isto não é uma doença de New Brunswick”, disse o funcionário. “Somos provavelmente a área que está a sofrer mais porque somos maioritariamente rurais,  numa área onde as pessoas podem ter mais exposição a fatores ambientais“.

Em janeiro, espera-se que a província de New Brunswick anuncie que o conjunto de casos, tornado público pela primeira vez no ano passado após ter sido divulgado aos meios de comunicação social, é o resultado de diagnósticos incorretos, que agruparam erroneamente doenças não relacionadas.

A Clínica de Desordens Neurodegenerativas, também chamada Clínica da Mente, na cidade de Moncton, é o centro de tratamento dos casos encaminhados da região, bem como das províncias vizinhas.

Os casos têm deixado os médicos perplexos e resistido a um conjunto de testes neurológicos, utilizados para excluir determinadas condições.

Através da orientação dos casos por parte de uma equipa de neurologistas e epidemiologistas, a clínica decide se os pacientes precisam de uma investigação mais aprofundada ou se podem ter uma doença conhecida.

Determinar quem se torna parte do grupo é subjetivo, em grande parte porque o cérebro é notoriamente difícil de estudar. A certeza só é frequentemente obtida após a morte do paciente, quando o tecido cerebral pode ser completamente testado.

Apesar dos detalhes caricatos dos casos mais recentes, a província tem trabalhado para acalmar os medos.

Em outubro, os funcionários sugeriram que os oito casos fatais tinham resultado de um diagnóstico errado, argumentando que em vez de sofrerem da uma doença desconhecida, as vítimas tinham morrido de patologias conhecidas não relacionadas.

Mas os especialistas estão alarmados, em grande parte devido à idade dos doentes, dado que as doenças neurológicas são raras nos jovens.

“O facto de termos aqui um espectro mais jovem de pacientes argumenta fortemente contra o que parece ser a posição preferida do governo de New Brunswick — que os casos neste grupo estão a ser erradamente agrupados”, disse um cientista da agência de saúde pública do Canadá, especializado em doenças neurodegenerativas.

Em outubro, a província também referiu que um relatório epidemiológico sugeria não haver provas significativas de qualquer alimento, comportamento ou exposição ambiental conhecidos que pudessem causar a doença.

Laurie, pai de Tim Beatty, um empregado de hardware reformado, morreu em 2019 após problemas mentais, na altura do Natal, terem causado uma rápida deterioração.

Beatty afirma que a família ficou “chocada” quando soube que o seu pai era uma das oito pessoas que um patologista controverso declarou terem sido incorretamente diagnosticadas e que, em vez disso, tinha morrido de Alzheimer.

Beatty e a sua irmã suplicaram que os restos mortais do seu pai fossem testados para neurotoxinas, incluindo β-Methylamino-L-alanina (BMAA), que foi sugerida como uma das causas da doença.

Um estudo publicado na MDPI em 2018 revela que foram encontradas concentrações elevadas de BMAA em lagostas, uma indústria que impulsiona as economias de muitas das comunidades costeiras de New Brunswick.

A aparente resistência da província a testes para a suspeita de fatores ambientais levou à especulação entre as famílias de que os esforços para excluir a existência da doença neurológica poderiam ser motivados pela tomada de decisões políticas.

“Se um grupo de pessoas queria criar teorias da conspiração, então o nosso governo fez um trabalho maravilhoso na sua promoção”, disse Beatty. “Estarão eles apenas a tentar criar uma narrativa para o público que esperam que absorvamos e da qual nos afastemos? Simplesmente não a compreendo“, acrescenta.

Documentos de pedidos de liberdade de informação mostraram que os cientistas da agência de saúde pública do país estavam a considerar o BMAA como uma causa possível, mas precisavam que a província encomendasse os testes.

“Não sei porque é que a província não se limita a ajudar a ciência. Eles têm os restos mortais do meu pai. Demos-lhes autorização total para fazer toxicologia e fazer o que tem de ser feito”, comentou Beatty. “No entanto, nada foi examinado“.

Mas os peritos advertem, no entanto, que os testes em si são mais difíceis do que o público imagina.

Enquanto alguns testes médicos possam fornecer resultados rápidos e definitivos, outros tipos de investigação requerem muito mais trabalho.

“Aquilo que se está a passar precisa realmente a uma investigação completa, porque só assim sabemos o que procuramos com precisão”, disse o cientista federal que estava familiarizado tanto com a doença como com o processo de testes.

“Neste momento, não temos uma forma de interpretar dados simples que se possam obter ao testar o tecido cerebral de uma pessoa para uma determinada toxina. Por exemplo, quanto elevados são os níveis de uma neurotoxina em comparação com o resto do público? E quando é que isso se torna um motivo de preocupação?”, refere.

O cientista afirmou ainda que há equipas prontas para iniciar a investigação, mas “New Brunswick disse-nos especificamente para não avançarmos com esse trabalho”.

Os que estão familiarizados com o grupo de doentes aguardam as conclusões de um relatório do comité de supervisão da província, que vai determinar se os 48 casos são de uma doença neurológica ou o resultado de um diagnóstico incorreto.

A situação tem causado crescente tensão entre especialistas e o governo da província de New Brunswick.

Uma fonte da Clínica da Mente revelou que os vários empregos na clínica — uma assistente social, um administrador e um neuropsicólogo — foram recentemente tornados temporários, o orçamento iria deixar de ser recorrente e a clínica seria convertida numa clínica de Alzheimer e de geriatria.

Dorothy Shephard, ministra da Saúde, referiu aos jornalistas, a 1 de dezembro, que a especulação de que a clínica seria encerrada não era verdadeira.

“Continuamos a dizer aos pacientes que o país os apoia, e que vão ser realizados testes para resolver a situação. Dizemos-lhes que vamos investigar até chegarmos  a uma conclusão, para os ajudar”, realçou a fonte do Vitalité. “Mas até agora isso não aconteceu. E eles precisam de nós“, conclui.

ACL,ZAP //

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