A chegada da dengue à Europa pode incentivar as farmacêuticas a apostar nas vacinas, mas pode também criar um sistema de dois níveis que ameaça fazer os preços disparar e deixar os países mais pobres sem os tratamentos.
No último dia de agosto, os parisienses assistiram a um cenário tipicamente visto em países tropicais: as autoridades a fumigar a cidade para combater o mosquito-tigre.
Esta decisão é um sinal de que a dengue, uma doença transmitida por mosquitos, se está a tornar uma preocupação crescente na Europa. Em 2022, o continente viu um aumento nos casos de dengue transmitidos localmente, marcando um aumento superior ao da década anterior.
O aumento da dengue na Europa pode funcionar como uma faca de dois gumes. Por um lado, o aumento nos casos pode motivar a indústria farmacêutica a investir no desenvolvimento de tratamentos e vacinas para a doença. Só em 2022, o financiamento para investigação em produtos não-vacinais para a dengue aumentou 33%, atingindo um valor recorde de 28 milhões de dólares, refere o Politico.
As grandes farmacêuticas como a J&J e a MSD já iniciaram projetos para tratamentos e vacinas para a dengue. Este aumento no investimento aparenta ser uma boa notícia, não apenas para a Europa, mas também para países como o Bangladesh, as Filipinas ou o Brasil, onde a dengue tem sido endémica há anos.
No entanto, os especialistas alertam que este desenvolvimento pode exacerbar as desigualdades globais de saúde. “Pode parecer uma coisa boa – e é uma coisa boa – que estejamos a desenvolver mais produtos, mas será que isso cria um sistema de dois níveis onde as populações ricas têm acesso a ele e ainda temos uma lacuna no acesso para países de baixos rendimentos?”, questiona Lindsay Keir, diretora da equipa de consultoria em ciência e política na Policy Cures Research.
É provável que a indústria farmacêuticase foque nas vacinas como medida preventiva. No entanto, nos países onde a dengue é endémica, o que é necessário são tratamentos para lidar com a elevada propagação da doença, em vez de medidas de prevenção. Sem uma abordagem estruturada para a distribuição, o armazenamento e os preços elevados podem também tornar-se grandes desafios, muito à semelhança do que aconteceu durante a pandemia.
As alterações climáticas e as migrações também são apontadas como fatores principais que levam à expansão do habitat do mosquito-tigre na Europa. Na Bélgica, o instituto nacional de investigação em saúde pública, Sciensano, lançou uma aplicação para os cidadãos reportarem avistamentos do mosquito. Apesar das crescentes preocupações, duas vacinas já foram aprovadas na UE — uma da Sanofi e outra da Takeda.
Embora possa haver algum otimismo dentro da indústria, nomeadamente por parte de Sibilia Quilici, diretora-executiva da Vaccines Europe, que citou um “compromisso realmente forte” para uma distribuição equitativa de vacinas em tempos de crise, muitos permanecem cautelosos.
Os especialistas sublinham que as lições da pandemia não devem ser esquecidas e apelam a uma abordagem equilibrada ao desenvolvimento e distribuição de medicamentos, para que nenhuma população fique para trás.