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Demência frontotemporal. O que sabe a ciência sobre a doença diagnosticada a Bruce Willis?

Flickr/Gage Skidmore

Ator Bruce Willis em 2018

Menos de um ano após anunciar que Bruce Willis foi diagnosticado com afasia, a família do ator divulgou esta quinta-feira um diagnóstico mais específico: o artista, de 67 anos, tem um tipo de demência, atualmente sem cura, chamada de demência frontotemporal (FTD, na sigla em inglês).

Segundo dois médicos entrevistados ouvidos BBC, a afasia — o comprometimento da linguagem, manifestado pela dificuldade de falar ou entender outras pessoas — é um primeiro sinal frequente da demência frontotemporal. A afasia pode ter várias causas, como um AVC ou uma infecção cerebral, mas quando relacionada a uma demência como a frontotemporal ou o Alzheimer e outros sinais, é caracterizada como afasia progressiva primária (APP).

De acordo com um estudo publicado em outubro de 2022 na revista científica Nature Communications, a FTD é responsável por 5 a 10% dos casos de demência. O tipo mais comum de demência continua a ser o Alzheimer.

O neurologista Gustavo Franklin explica que, como diz o nome, a demência frontotemporal afeta as regiões frontal e temporal do cérebro. Há uma variante da doença que se manifesta, como no caso de Willis, nas dificuldades de linguagem (mais associada ao impacto na região temporal). Existe também uma variante marcada por alterações no comportamento (ligada à região frontal).

“No início do diagnóstico, pode haver alterações no comportamento, como a expressão de linguagem mais sexual. A desinibição é muito característica”, diz Franklin, referindo-se à variante comportamental.

“E essas alterações comportamentais podem levar a diagnósticos errados, como ansiedade, depressão, bipolaridade e esquizofrenia. Já na linguagem, a pessoa é levada como desatenta, preguiçosa, ansiosa”, completa o médico do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).

Coordenadora do setor de neurologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília (DF), a médica Thaís Augusta Martins esclarece que o diagnóstico deste tipo de demência dificilmente ocorre na primeira consulta, mas sim ao longo do tempo. O diagnóstico clínico — ou seja, a partir do acompanhamento médico — é a principal forma de identificação da doença, mas ele pode ser complementado por exames de imagens, análise genética e testes cognitivos.

Esta é, inclusive, a combinação de informações que permite diferenciar o tipo de demência — por exemplo, a FTD do Alzheimer.

“O diagnóstico de Bruce Willis só foi concluído agora. De facto, é realmente ao longo do tempo que se vai fechar o diagnóstico, com a evolução do quadro clínico, podendo chegar ao nome e ao sobrenome da doença”, explica a médica, também diretora de assistência médica do Hospital Santa Lúcia.

Numa nota assinada pelas cinco filhas de Willis, pela atual esposa, Emma Heming, e pela ex-esposa, Demi Moore, a família agradeceu pelo carinho dos fãs e anunciou o novo diagnóstico. “Infelizmente, os desafios na comunicação são apenas um dos sintomas de Bruce. Embora seja algo doloroso, é um alívio finalmente ter um diagnóstico claro”, diz a nota.

Em março de 2022, ao divulgar que o ator tinha afasia, a família anunciou também que ele iria colocar termo à carreira.

Fundo genético

A doença é progressiva, o que significa que não é possível revertê-la e que o quadro clínico tende a se agravar com o tempo. Na realidade, apenas os sintomas podem ser tratados. “Não há nenhum medicamento que mude a evolução natural da doença. Os médicos medicam para a parte comportamental e terapias multidisciplinares, como fisioterapia e fonoaudiologia”, aponta Thaís Augusta Martins.

Frequentemente, a demência frontotemporal (FTD) manifesta-se no período dito pré-senil, ou seja, antes dos 60 anos — mais precisamente entre os 45 e 65 anos. Essa é uma característica diferente do Alzheimer, que tende a aparecer mais tarde.

O estudo publicado no ano passado na Nature Communications concluiu que, em cerca de 15% dos casos, a FTD está relacionada com a mutação específica de um gene. De acordo com os médicos, esta forma de demência tem um forte fundo genético — mais do que o Alzheimer. Por isso, a mesma família pode ter mais de uma pessoa com FTD ao longo do tempo.

“Já foram descobertos inúmeros genes associados à demência frontotemporal. Nem sempre, no entanto, os genes determinantes são identificáveis — então a comunidade médica não preconiza a investigação (genética) para quem não tem casos na família”, diz Franklin.

Para as famílias de quem tem este tipo de demência, Martins lembra outro desafio: lidar com as alterações manifestadas por uma pessoa querida. “O paciente começa a fazer coisas inapropriadas, a dizer coisas inapropriadas em público. É um sofrimento para a família, é difícil de aceitar. A família fala: credo, ele nunca diria isso, ele nunca diria palavrões”, exemplifica a médica.“O paciente também vai ficando cada vez com menos capacidade de fala, e a família sofre muito com isso também.”

A família de Willis, na nota divulgada, disse esperar que a situação do ator ajude a consciencializar sobre a doença.

“Atualmente, não há tratamentos para a doença, uma realidade que esperamos que possa mudar nos próximos anos. À medida que a condição do Bruce avança, esperamos que qualquer atenção dos meios de comunicação social possa alertar para esta doença, sobre a qual é preciso muito mais conhecimento e estudos.”

“O Bruce sempre acreditou no uso da voz dele para ajudar outras pessoas e a chamar a atenção para assuntos importantes, tanto no público quanto no privado”, escreveram as filhas, a esposa e a ex-esposa do ator.

ZAP // BBC

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