Continua a sair com pessoas com a mesma personalidade e traços físicos, mesmo depois de uma série de experiências mal-sucedidas? Se a resposta for sim, poderá ser vítima de “dating déjà vu”.
“Dating” é um termo em inglês para designar encontros românticos; “déjà vu” vem do francês e significa “sensação de já ter vivido algo semelhante no passado”.
A professora Jessica Maxwell, investigadora e psicóloga social da Universidade McMaster em Ontário, Canadá, afirma que o “dating déjà vu” provém da suposição antiga de que “todos nós temos uma preferência padrão”, uma teoria que vem sendo apoiada por muitos estudiosos da matéria, como ela própria.
“É verdade que algumas pessoas tendem a sair sempre com o mesmo tipo de parceiro e são atraídas pelo mesmo tipo de padrão de namoro”, explica, em entrevista à BBC News Mundo.
“É um fenómeno de que os estudiosos do relacionamento estão cientes, embora não usemos necessariamente esse termo”, diz.
Padrão repetido
A psicóloga Leslie Becker-Phelps, autora do livro Insecure in Love (“Inseguro no Amor”, traduzindo), explica que geralmente falamos em “dating déjà vu” quando uma pessoa repete relacionamentos problemáticos, mas isso não significa apenas experiências negativas.
“Podes ter-te apaixonado perdidamente por alguém e querer repetir essa história de amor saudável”, acrescenta.
A especialista sublinha que na psicologia frequentemente há pacientes que repetem padrões ao longo da vida, algo que no mundo do namoro “é ainda mais comum”.
“Temos a tendência de procurar pessoas com características semelhantes e apaixonarmo-nos por elas porque nos sentimos confortáveis com o que nos é familiar”, continua.
Leslie acrescenta que numa situação saudável alguém pode ser atraído por uma qualidade positiva, como bondade, empatia ou generosidade, e no final os relacionamentos funcionam.
“Mas algumas pessoas são atraídas por dinâmicas e características que são tóxicas para elas e é aí que isso se torna um problema”, remata.
Teoria do apego
Ambos os psicólogos referem a teoria do apego como uma das principais razões pelas quais muitos tendem a insistir no mesmo erro.
Formulada pelo psiquiatra e psicanalista britânico John Bowlby (1907-1990) após o fim da 2ª Guerra Mundial, trata-se de uma teoria psicológica e evolutiva que tenta explicar as relações humanas.
Bowlby defende que desde que somos jovens desenvolvemos uma relação com o nosso cuidador principal, geralmente a nossa mãe ou o nosso pai, que nos marca e definirá a nossa procura de proximidade em relacionamentos futuros.
A teoria propõe quatro tipos de apego: Apego Seguro; Apego Evitante; Apego Ansioso/Ambivalente; Apego Desorganizado.
De acordo com psicólogos, desenvolverá um apego seguro se o seu cuidador reagir de forma adequada e consistente às suas necessidades quando criança, formando assim com sucesso um vínculo parental estável.
No apego evitante, a pessoa procura manter distância do alvo do seu apego. No apego ambivalente, a pessoa quer proximidade com o seu parceiro, mas ao mesmo tempo mantém uma resistência. No apego desorganizado, o comportamento da pessoa é confuso, sem um padrão claro.
Se tiver um pai ou cuidador excessivamente protetor, intrusivo, negligente ou inconsistente, provavelmente terá um apego inseguro, que muitas vezes leva certas pessoas a entrarem em relacionamentos tóxicos.
“A menos que trabalhe ativamente para mudar o seu apego, poderá acabar por seguir o mesmo padrão”, alerta Maxwell.
“Sabe-se que pessoas que têm apegos evitantes acabam a ficar com pessoas que têm apegos ansiosos/ambivalentes, porque se atraem mutuamente”, acrescenta.
“Mas esta é a pior coisa que pode acontecer porque acabam com pessoas dependentes que agravam o desejo de manter a distância”, explica.
Um círculo vicioso
No seu livro, Becker-Phelps explica como os apegos podem criar obstáculos em ligações saudáveis e seguras em relacionamentos românticos adultos.
A sua pesquisa foca-se no apego ansioso/ambivalente e em como este pode resultar em ciúmes, dependência e preocupação.
A psicóloga assegura que quem tem um apego evitante ou ansioso/ambivalente tem maior probabilidade de repetir dinâmicas problemáticas, ou “os dating déjà vus”, devido às inseguranças que podem ter desenvolvido na infância.
“Se se vir como uma pessoa que merece amor e encontrar alguém emocionalmente disponível, é provável que desenvolva um relacionamento saudável”, explica, reforçando no entanto que “aqueles que se consideram indignos de amor ou de afeto recorrem a outras pessoas para ajudá-los a sentirem-se melhor consigo mesmos.”
A psicóloga diz que pessoas com apego ansioso/ambivalente podem desenvolver um relacionamento saudável com quem lhes ofereça o apoio de que precisam.
“Por outro lado, infelizmente, é comum que acabem presas em relacionamentos com parceiros evitantes que as rebaixam e que se afastam quanto mais elas se apegam”, diz.
A especialista acrescenta que geralmente esse tipo de relação termina num círculo vicioso em que a pessoa com apego ansioso/ambivalente procura a pessoa com apego evitante e esta afasta-se ao ver que a pessoa ansiosa/ambivalente se está a aproximar demasiado, mas dá-lhe um pouco de carinho, o suficiente para que ela não desista do relacionamento.
É uma dinâmica que pode durar anos e que, segundo a psicóloga, é uma das mais comuns nos “dating déjà vus”.
Personalidade é mais importante
Jessica Maxwell lembra que outros fatores, como baixa autoestima, também podem desencadear o “dating déjà vu”.
Segundo um pesquisa publicada em abril deste ano na revista científica Personality and Social Psychology Bulletin, aspetos como beleza, humor e inteligência perdem importância na procura de um parceiro à medida que ficamos mais velhos.
No entanto, preferências individuais por características como cordialidade, honestidade, autoconfiança ou espírito aventureiro prevalecem, tanto em homens como em mulheres.
Assim, pode-se concluir que muitas pessoas que têm um tipo preferido raramente deixam de tê-lo.
Como acabar com o ‘dating déjà vu’?
Segundo Becker-Phelps, um dos primeiros passos para deixar de se apaixonar pelo mesmo tipo de pessoa, quando tal é problemático, é a autoconsciência e a autocompaixão.
“Se tiver consciência de que está a repetir um padrão que não combina consigo e fizer isso com autocompaixão, sem se culpar e sem se sentir mal, poderá antecipar-se e evitar cair no mesmo erro”, explica.
Ao identificar o padrão, poderá calibrar as suas opções e decidir se deseja embarcar numa aventura semelhante à anterior ou tentar a sorte num relacionamento diferente, eventualmente mais saudável.
Maxwell também recomenda autoconsciência e terapia para parar de cometer o mesmo erro.
A psicóloga afirma que a chave para um relacionamento saudável e bem-sucedido é estar com um parceiro sensível que atenda às suas necessidades: “alguém amoroso que tenta entender e apoiar o próximo e que lhe dá validação.”
Maxwell também acredita que devemos deixar de lado a ideia de que é possível encontrar a sua “alma gémea” ou “cara-metade” com quem vai compartilhar exatamente os mesmos gostos.
“É importante entender que não existe apenas um tipo de pessoa com quem pode ser feliz e que é preciso ter a mente aberta para encontrar a felicidade”, conclui.
// BBC