Se é uma das muitas pessoas que sofre de ofidiofobia, ou medo de cobras, então não é uma boa ideia marcar presença na Festa dei Serpari, que acontece todos os anos em Cocullo, Itália.
As cobras captam a atenção de pessoas de dois pólos muito distintos: por um lado, quem se fascina com a beleza destes animais; por outro, quem lhes guarda uma grande repulsa só por imaginar estar perto deles.
Apesar de, no passado, os rituais com serpentes serem muito comuns em toda a Europa, estes acabaram por desaparecer quase por completo – exceto uma vez por ano numa pequena cidade no centro de Itália chamada Cocullo.
No dia 1 de maio, uma grande multidão reúne-se no centro da cidade para celebrar o santo padroeiro San Domenico, um monge beneditino que viajou por toda a Itália durante o século X para fundar vários mosteiros.
À semelhança de muitas festividades católicas, é realizada uma procissão pela cidade em que a estátua do santo é erguida durante todo o itinerário. No entanto, em Cocullo, a estátua está totalmente coberta por cobras vivas.
Segundo o Atlas Obscura, os preparativos para a Festa dei Serpari começam no final de março, altura em que alguns locais vão para o Monte Catini apanhar cobras não venenosas. Depois de apanharem os répteis, retiram-lhes os dentes e guardam-nos em caixas de madeira durante cerca de um mês, para serem mais tarde utilizados.
Na manhã do primeiro dia de maio, os fiéis reúnem-se na capela de San Domenico e puxam o sino da capela com os dentes das serpentes. Acredita-se que San Domenico protege contra as picadas de cobra e a raiva, mas também contra as dores de dentes.
Depois de o sino ecoar em toda a cidade, chega a hora de sair à rua com a estátua do padroeiro, com as cobras entrelaçadas. Se os animais se enrolarem à volta da cabeça do santo, é sinal que o ano seguinte correrá bem. No final do dia, as serpentes são libertadas na natureza.
Origens envoltas em mistério
Se alguns historiadores relacionam esta tradição com o culto de Hércules, que estrangulou duas serpentes; outros garantem que o ritual está associado ao culto pagão da deusa Angizia, uma divindade que, segundo o antigo povo Marsi, protegia contra o veneno destes animais.
Lia Giancristofaro, antropóloga da Università degli Studi Chieti e Pescara, tem um entendimento diferente e rejeita estas teorias por considerá-las demasiado distantes da atualidade.
Embora seja provável que no passado tenha existido um culto ofídico generalizado no Mediterrâneo, a antropóloga afirma que é impossível determinar se as festividades de Cocullo são um vestígio desse culto.
Giancristofaro acredita que este fenómeno “nasceu durante a Idade Média e está relacionado com a prática dos curandeiros em nome de São Paulo”. De acordo com a lenda, São Paulo sobreviveu a uma picada de cobra em Malta e criou um grupo de seguidores que viajava de cidade em cidade a fazer exorcismos e a curar diferentes pessoas por intercessão do santo.
Desta forma, no dia 1 de maio, o contacto com as serpentes representa uma espécie de libertação porque acontece sob “o escudo protetor” de San Domenico, explicou Giancristofaro, acrescentando que superar o medo natural de tocar em cobras simboliza dominar o medo do mundo natural e sobrenatural e das incertezas da vida.
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