O homem mais rico do mundo era chinês. Emprestava dinheiro a milionários americanos

Se lhe perguntássemos quem era a pessoa mais rica do mundo na primeira metade do século XIX, provavelmente não acertaria. Trata-se de Howqua, um comerciante chinês que acumulou o equivalente a algo como 7,6 mil milhões de euros.

Segundo a LBV, a história dos hangshang (comerciantes chineses) em Cantão (atual Guangzhou) era constituída por grandes hongs ou clãs comerciais, daí o nome da instituição Cohong.

Na sua fase inicial, detinha o monopólio das importações e exportações desde o período final do Imperador Kangxi, que faleceu em 1722, embora tenha sido oficialmente estabelecido como tal em 1735 por um édito imperial do Imperador Qianlong.

Pelo menos, é o que diz a historiografia chinesa, enquanto as fontes ocidentais empurram a fundação para a última década do século XVIII.

Wu Bingjian nasceu em Fujian em 1769. Era o terceiro da família e herdou a alcunha do pai, Howqua, uma transliteração fonética da pronúncia em hokkien do nome hong, Hõ-koa, pelo qual era conhecido pelos estrangeiros e com o qual tinha inicialmente batizado a sua empresa: Wu Howqua.

Em menos de cinco anos, Wu Bingjian transformou-a na mais importante, competindo ferrozmente com a empresa então líder, a Tongwenhang, graças ao estabelecimento de uma aliança comercial com a Companhia Britânica das Índias Orientais, que estava sediada em Cantão desde que o imperador a abriu ao mundo exterior em 1757.

Howqua foi nomeado agente e começou por lhes fornecer chá, graças à herança da propriedade familiar. Em 1830, forneceu-lhes cerca de 51 mil caixas, o que representou mais de 18% do total das compras da empresa.

O chá era vendido em Londres, Amesterdão e nos Estados Unidos sob a marca Wu Jia Yihe, tornando-se muito popular em Nova Iorque e Filadélfia, apesar do seu elevado preço.

Em contrapartida, importava prata, sempre muito procurada na China, uma vez que o Império Espanhol a fornecia em troca de artesanato, seda e porcelana através do Galeão de Manila, e que os americanos adquiriam na recém-independente América Espanhola.

Claro que havia outros clientes, entre os quais o indiano Merwanji Manikji Taba, com quem negociava algodão. Outra empresa importante era a American Perkin & Co, cujo presidente, John Murray Forbes, começou a negociar chá chinês em Cantão em 1829, antes de passar para o ópio.

Isto permitiu a Howgua entrar na indústria ferroviária americana e acumular uma fortuna, razão pela qual Forbes sempre o considerou um mentor e lhe ofereceu a oportunidade de investir na Michigan Central Railroad e na Berlintown and Missouri River através de uma empresa especialmente criada para o efeito — a Qichang Foreign Company.

Em 1834, Howqua era já o homem mais rico do mundo, com um capital estimulado em cerca de 26 milhões de dólares de prata mexicanos, uma moeda derivada do valorizado dólar espanhol, que foi durante muito tempo co-oficial nos Estados Unidos e noutras partes do mundo.

Nessa altura, o americano mais rico não tinha mais de sete milhões. Dizia-se que o incêndio que destruiu os seus escritórios em 1822 derreteu a prata armazenada no seu interior, criando um rio de quase três quilómetros e meio. Trata-se de um exagero, mas serve para ilustrar o nível de riqueza que Howqua tinha atingido.

Os lucros aumentaram, graças à introdução de outro produto ainda mais lucrativo do que chá: o ópio, que os comerciantes estrangeiros escolheram como moeda de troca devido ao declínio dos envios de prata, peles da costa nordeste e sândalo do Havai.

Tradicionalmente, o governo chinês proibia a importação de ópio e reiterou essa proibição em 1799, o que não impediu a Companhia Britânica das Índias Orientais de o contrabandear de Bengala com a ajuda de Howqua que, segundo rumores, o traficou durante a sua juventude.

Em 1817, as autoridades confiscaram um navio mercante americano carregado de ópio e, por estar protegido pelo Yihehang, Howqua foi multado em 160 mil taéis de prata (unidade de peso equivalente a cerca de 40 gramas). Mas os principais traficantes eram os britânicos.

Inicialmente, traziam cerca de 900 toneladas por ano, mas em 1828 já tinham aumentado para 1400 toneladas e, devido ao problema de saúde que o seu consumo generalizado representa, o governo decretou a pena de morte para os traficantes e nomeou mesmo um comissário imperial — o general Lin Zexu — para fazer cumprir a lei.

Howqua aconselhou os seus parceiros estrangeiros a destruírem os carregamentos que tinham escondido na China e a transferirem os seus negócios para Singapura. Entretanto, a Cohong teve de participar no comércio porque não estava disposta a arriscar a sua existência.

Embora os ocidentais acreditassem que todos os comerciantes de Cohong eram ricos, na realidade, eram fortemente controlados pelo hoppo, de quem dependia a sua admissão ou expulsão do monopólio, uma vez que muitos deles eram de origem social modesta e, consequentemente, careciam de prestígio e influência nos círculos elevados.

Uma vez que o mandato do hoppo durava três anos, era habitual gastar grandes somas de dinheiro para o subornar e aos seus funcionários: cerca de meio milhão de taéis de prata por ano. Esta instabilidade levou muitos a falência ou à tentativa de abandonar o Cohong.

No entanto, os Cohong controlavam o Consoo, uma espécie de fundo de garantia formado pelas contribuições dos hongs, pelo que, se alguém saísse, perderia esse depósito.

A solução passou por procurar assegurar a continuidade do negócio, o que implicou a entrada no tráfico de ópio, estabelecendo um centro em Lintin, uma pequena ilha ao largo da costa de Cantão onde os estrangeiros atracavam os seus navios a salvo das inspeções governamentais e transferiam a carga proibida para pequenos barcos que a levavam para terra.

Os Cohong encarregavam-se de a processar e distribuir por todo o país.

Quando o governo imperial intensificou a sua repressão e perseguiu o comércio com mais vigor, uma vez que a balança de pagamentos se tinha invertido e agora eram os chineses que tinham de pagar em prata em vez de a importar, o Reino Unido declarou guerra na primavera de 1839.

Howqua e outros mercadores colaboraram com o Imperador Daoguang, financiando a construção de fortalezas e comprando novos navios, mas o esforço foi inútil e a Primeira Guerra do Ópio foi favorável aos britânicos, terminando no verão de 1842 com a assinatura do Tratado de Nanquim.

Nos termos deste tratado, a China tinha de pagar 21 milhões de taéis de prata em custos de guerra e indemnizações aos traficantes, abolir o monopólio do hongs, abolir os direitos aduaneiros, abrir mais meia dúzia de portos, ceder a soberania sobre Hong Kong e fazer concessões comerciais aos EUA e à França.

Os britânicos deveriam receber 6 milhões em moedas de prata, dos quais três deveriam ser pagos pelo Cohong: Howqua contribuiu com um — que lhe valeu ter direito de se vestir ao estilo da dinastia Qing.

No entanto, agora que a economia chinesa estava nas mãos de estrangeiros, os novos senhores não ficaram satisfeitos com a posição que o seu antigo parceiro tinha tomado contra eles, e muito menos quando viram que ele lhes estavam a exigir dívidas.

Enquanto atrasavam esse pagamento, necessário porque o comércio livre imposto tinha acabado com os 13 hongs e desviado o comércio para Hong Kong e Xangai, Howqua considerou a possibilidade de transferir os seus negócios para os Estados Unidos, como referiu numa carta ao seu amigo Forbes. Mas não teve tempo. Poucos meses depois, com 75 anos, morreu no jardim da sua casa, deixando como herdeiro o seu quinto filho, Wu Chongyao.

Ao longo do século, a empresa Yihehang acabou por se tornar uma simples loja de chá, embora Wu Chongyao, também conhecido comercialmente como Shaorong e colecionador de livros, tenha continuado a ser o principal acionista da Qichang, a empresa que operava nos EUA, onde era conhecida como Russell & Co. Esta faliu em 1891, reduzindo a família a um estatuto plebeu e economicamente diminuído, uma vez que a sua fortuna já tinha sido significativamente reduzida por ter de financiar a supressão da Rebelião Taiping. Este facto levou a que a memória deste clã seja hoje encarada com frieza, como inimigos do povo.

No entanto, pode dizer-se que esta memória perdura positivamente na América, onde vários homens de negócios prosperaram graças aos empréstimos concebidos por Howqua, com apelidos que hoje nos são familiares: os já referidos Forbes e Russel, os Delanos. Eram os novos ricos do mundo e, por isso, tanto os museus como as casas da burguesia de Salem e Newport ainda conservam retratos deles.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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