Já alguma vez se questionou se as aves são répteis? Sabia que a árvore genealógica dos répteis é mais variada e diversificada do que possa imaginar?
Martin Stervander, biólogo evolucionista e curador sénior de aves no National Museums Scotland, afirmou: “eu diria que qualquer biólogo moderno diria, ou deveria dizer, que as aves são répteis”.
Mas, segundo o Live Science, nem sempre foi assim. Antes da década de 1940, os biólogo baseavam-se num sistema chamado método de Linnaean para classificar toda a vida na Terra.
Esta abordagem foi desenvolvida por Carl Linnaeus na década de 1730 e funciona agrupando animais que têm características físicas semelhantes.
Linnaeus determinou que todos os répteis partilham duas características fundamentais: têm escamas e são ectotérmicos ou “de sangue frio“, o que significa que têm de depender de fontes externas de calor para regular a sua temperatura corporal.
Como as aves de sangue quente e abundantes em penas não possuem essas características, “as aves eram consideradas o seu próprio ramo na árvore da vida” sob o sistema de Linnaen, disse Klara Widria, do Departamento de Zoologia de Vertebrados do Museu Nacional de História Natural do Smithsonian, em Washington, D.C.
A classificação não tem em conta algo que pode revelar muito mais sobre um organismo: os seus genes.
A partir dos anos 40, a capacidade de examinar o material genético deu origem a um novo tipo de classificação, chamado filogenia. O método filogenético agrupa ou separa os organismos com base na quantidade de ADN que têm em comum.
Também permite aos cientistas comprar comparar o ADN dos organismos para traçar a sua história evolutiva e encontrar antepassados comuns.
Segundo este sistema, os organismos são agrupados em “clados“, que são ramos distintos na árvore filogenética que incluem todos as descendentes de um antepassado comum mais recente.
Por exemplo, as aves modernas são agrupadas no clado Neornithes, porque surgiram de um antepassado comum Neornithine que surgiu há 80 milhões de anos, antes da extinção dos dinossauros nonavianos.
“Os clados são uma hierarquia aninhada“, explicou Widrig, Assim, “se recuarmos mais ao longo dos ramos da árvore da vida, descobrimos que [os Neornithes] também pertencem ao clado mais inclusivo Theropoda“, um grupo de dinossauros com duas pernas e maioritariamente carnívoros que, por sua vez, descende do clado Dinosauria.
Mesmo na era dos dinossauros, as características que definiam os répteis escamosos e as aves não eram tão diferentes.
A investigação sugere que alguns dinossauros eram de sangue quente e que alguns dinossauros nonavianos tinham penas.
Entretanto, mais tarde, ficou-se a saber que as aves que se pareciam exatamente com as aves modernas já andavam na Terra ao lado dos seus parentes dinossauros há 66 milhões de anos.
Uma delas era a “galinha-maravilha” (Asteriornis), um fóssil que foi descrito em 2020 por uma equipa que incluía Widrig.
A descendência das aves dos Theropods e Dinosauria é o que faz delas dinossauros.
Entretanto, os Dinosauria, juntamente com os crocodilianos e outras linhagens como os pterossauros, estão inseridos noutro clado, chamado Archosauria.
Este clado, por sua vez, partilha um antepassado com um grupo chamado Lepidosauria, que deu origem a todos os lagartos modernos, cobras e a tuatara. Este antepassado comum era uma criatura chamada sauropsida que surgiu há cerca de 315 milhões de anos e deu origem ao lado com o mesmo nome.
Sauropsida foi uma das duas linhagens que se ramificaram dos amniotas, sendo a outra o grupo que evoluiu para a classe Mammalia. Sauropsida, entretanto, tornou-se sinónimo da classe “Reptilia“, porque dentro da sua rede de clados, todos os répteis — tanto vivos como extintos — estão inseridos.
Porque é que as aves não se parecem com os outros répteis?
As ligações entre as aves e os seus parentes mais escamosos poderiam ter sido mais fáceis de compreender se não tivesse havido um evento de extinção em massa há 66 milhões de anos.
“A razão pela qual as aves parecem tão estranhas, comparativamente com o resto dos répteis que temos vivos hoje em dia é porque todas as fases evolutivas intermédias estão extintas, pelo que não temos com que as comparar”.
Quando o asteroide destruiu grande parte da vida na Terra, obliterou secções inteiras da linhagem Archosauria de répteis, deixando para trás apenas crocodilos e alguns dinossauros aviários.
Sem este vazio na árvore da vida, a evolução poderia ter introduzido parentes na era moderna que teriam tornado as raízes reptilianas das aves mais imediatamente claras.
Em vez disso, atualmente os crocodilos são parentes vivos mais próximos das aves, apesar de se encontrarem muito afastados na árvore filogenética.
Em termos humanos, “se todos os primatas não-humanos se extinguissem de repente, os nossos parentes vivos mais próximos seriam os roedores e os coelhos“, disse Widrig. Seriam os mais próximos de nós nos restantes ramos da árvore da vida, e a nossa ascendência mamífera partilhada poderia ser mais difícil de aceitar.
Se ainda parece estranho pensar nas aves como répteis, isso pode dever-se em parte a essas raízes de Linnean, que continuam a moldar a nossa compreensão coloquial do que é um réptil.
Só por volta dos anos 40 é que as provas genéticas clarificaram efetivamente a posição das aves“, afirmou Stervander. “Antes disso, as pessoas já se referiam aos répteis há quase dois séculos. Penso que é por isso que tem havido alguma relutância em redefinir o que chamamos de réptil“.
Atualmente, a ciência está a mudar isso, revelando ligações inesperadas na árvore da vida — e abrindo novos horizontes sobre répteis com penas e voadores.