Arranca hoje o processo por genocídio aberto a Israel no TIJ. Tudo o que está em causa

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United Nations / Flickr

Sede do Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas, em Haia, na Holanda

O processo aberto pela África do Sul alega que Israel está deliberadamente a atacar a população palestiniana civil na Faixa de Gaza.

As primeiras audições no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, nos Países Baixos, relativas às alegações de genocídio que a África do Sul apresentou contra Israel arrancam esta quinta-feira.

O TIJ, um órgão judicial principal das Nações Unidas, foi estabelecido após a Segunda Guerra Mundial para arbitrar a resolução do conflito entre as nações. A Assembleia Geral da ONU e o Conselho de Segurança elegem os 15 juízes do tribunal para mandatos de nove anos.

Para julgar este processo, Israel e a África do Sul podem ambos nomear mais um juiz a seu critério para o painel. A actual presidente do TIJ é Joan Donoghue, ex-assessora jurídica do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Foi também o TIJ que tornou o genocídio um crime ao abrigo do direito internacional em 1948, nas Convenções de Genebra. O genocídio é definido como “actos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Embora as decisões do TIJ sejam legalmente vinculativas, a sua execução continua a ser um desafio, como se viu em casos como a rejeição da Rússia a uma ordem de 2022 que exigiu a sua saída da Ucrânia. Provar as acusações de genocídio também tem sido historicamente muito difícil, lembra o Washington Post.

A acusação da África do Sul

O caso alega que Israel está a violar o direito internacional ao cometer e ao não prevenir actos genocidas em Gaza, tendo como alvo deliberado a população palestiniana, numa altura em que mais de 23 mil civis já morreram.

Os sul-africanos apontam ainda que as tropas israelitas estão a privar a população de bens e serviços essenciais — como água, comida e cuidados de saúde — e de segurança ao impedirem a entrada de ajuda humanitária.

“Israel reduziu e continua a reduzir Gaza a escombros, matando, ferindo e destruindo o seu povo, e criando condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física como grupo”, argumenta a acusação de 84 páginas.

A África do Sul enumera ainda algumas das tácticas usadas por Israel, como as bombas sem guia, a expulsão em massa de bairros inteiros e a “obliteração de instituições civis palestinianas”. O processo também acusa ainda os líderes israelitas de tentar impedir os nascimentos de mais palestinianos ao matarem ou negarem cuidados de saúde a grávidas em Gaza.

O principal desafio para a África do Sul reside em provar a intenção de Israel de destruir a população palestiniana em Gaza, para além de combater apenas o Hamas. Para isto, a acusação cita declarações do Presidente de Israel Isaac Herzog, que em Outubro afirmou que “é uma nação inteira que é responsável”.

“Não é verdade esta retórica sobre os civis não estarem conscientes, não estarem envolvidos. Não é absolutamente verdade. Eles poderiam ter-se levantado. Eles poderiam ter lutado contra aquele regime maligno que tomou Gaza num golpe de estado”, afirmou Herzog.

A África do Sul cita ainda um discurso de Benjamin Netanyahu. “A 16 de outubro de 2023, num discurso formal ao Knesset israelita, Netanyahu descreveu a situação como ‘uma luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre a humanidade e a lei da selva’ — um tom desumanizante que repetiu em diversas ocasiões”, refere.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, lembrou a própria história do apartheid na África do Sul para justificar a decisão de processar Israel.

“A nossa oposição ao massacre contínuo do povo de Gaza levou-nos, como país, a aproximar-nos do TIJ. Como um povo que já provou os frutos amargos da expropriação, da discriminação, do racismo e da violência patrocinada pelo Estado, temos a certeza de que permaneceremos do lado certo da história”, defende.

O que pode o TIJ fazer?

A acusação pede ao TIJ que emita ordens provisórias para um cessar-fogo em Gaza enquanto o processo — que provavelmente vai demorar anos até ter um desfecho — está a decorrer. A decisão sobre estas ordens provisórias deve ser conhecida já nas próximas semanas.

Mesmo que o TIJ exiga um cessar-fogo, não tem meios para fazer cumprir esta ordem e poucos esperam que Israel pare as operações militares neste caso. No entanto, os analistas entendem que mesmo uma ordem simbólica aumentaria a pressão sobre os aliados dos israelitas, especialmente os Estados Unidos, e arrisca abalar a reputação internacional do Estado judaico.

“Se a África do Sul realmente conseguir que o TIJ diga que todas as partes têm de respeitar imediatamente o cessar-fogo, isso será devastador”, afirma Raed Jarrar, diretor de defesa do Democracy for the Arab World Now, um grupo que apoia a alegação de genocídio contra Israel.

Adil Haque, professor de direito internacional na Rutgers, também considera que provar a intenção genocida será muito difícil. Ainda assim, “Israel será chamado a explicar como é que todos estes líderes militares e políticos estão a fazer estas declarações extremas”, refere.

A professora de direito da Universidade do Sul da Austrália Juliette McIntyre, especializada em tribunais internacionais, afirma que ficaria surpresa se o tribunal emitisse uma ordem de cessar-fogo contra Israel.

“Penso que provavelmente veremos uma ordem com mais nuance relativamente à garantia de que a ajuda, a água, etc., sejam permitidas em Gaza e que Israel tenha de cumprir os seus compromissos”, antecipa.

A resposta de Israel

Israel tem negado todas as alegações e alega que as suas acções militares estão focadas apenas no Hamas e não nos civis. O país descreveu até as acusações como “libelos de sangue“, referindo-se às conspirações na Idade Média de que os judeus usavam o sangue de cristãos para rituais religiosos, e acusa a África do Sul de ser “criminosamente cúmplice” do Hamas.

Isaac Herzog também considera que “não há nada mais atroz e absurdo” do que a alegação de genocídio. “Estaremos presentes no Tribunal Internacional de Justiça e apresentaremos com orgulho o nosso caso de utilização da legítima defesa”, afirmou o Presidente israelita.

“Fomos claros em palavras e em actos que temos como alvo os monstros de 7 de Outubro e estamos a inovar formas de defender o direito internacional”, referiu ainda o porta-voz do governo, Eylon Levy, na semana passada.

Apesar desta resposta pública directa, nos bastidores, o Governo israelita parece estar preocupado com as repercussões que o caso pode ter na sua imagem no plano internacional e nos seus aliados, segundo o Axios.

Antes da audição, Israel ordenou que as suas embaixadas pressionassem os países a emitir comunicados contra o processo. A nota afirma que “a decisão do tribunal pode ter implicações potenciais significativas que não estão apenas no mundo jurídico, mas têm ramificações práticas bilaterais, multilaterais, económicas e de segurança”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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1 Comment

  1. E este processo foi aberto pela África do Sul…
    Se fosse 1 de Abril achava que seria uma anedota LOL.

    Concordo totalmente que os Palestinianos supostamente “bons” (seria primeiro preciso saber como poderíamos ter certeza de uma tolice dessas sobre haver deles bons, mas ok), tiveram anos e anos para apontar o dedo e se revoltarem internamente contra o Hamas. Nada fizeram porque já nascem terroristas e assim querem permanecer.

    Espero é que Israel não desista agora.

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