Carnaval em cidade belga incluiu caricaturas antissemitas e trajes de organização racista

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Andrea Kirkby / Flickr

Carnaval em Aalst, na Bélgica

O Carnaval da cidade de Aalst, na Bélgica – classificado pela UNESCO como património cultural da humanidade – incluiu um carro alegórico com caricaturas de judeus ortodoxos com ratazanas e sacos de dinheiro, pessoas com trajes da organização racista americana Ku Klux Klan e ‘black face’. O “festival de ódio” foi condenado pela Comissão Europeia.

Hate fest (festival de ódio) foi o título escolhido pela conta de Twitter Breaking 911 para reportar sobre o Carnaval de Aalst. “A parada incluiu caricaturas antissemitas de judeus ortodoxos sentados em sacos de dinheiro e acompanhados de uma ratazana, homens com trajes da KKK e pessoas com black face [cara pintada de castanho, para parecerem negros], enquanto milhares aplaudiam e riam”, lê-se na publicação.

Contudo, de acordo com uma notícia do Brussels Times, divulgada na segunda-feira, nem todas as pessoas entre o público do desfile de domingo acharam piada às caricaturas.

“A representação de judeus ortodoxos trouxe de volta memórias dos folhetos de propaganda nazi e de publicações como o Der Stürmer [tablóide alemão semanal publicado de 1923 a 1945, conhecido pelo antissemitismo e pela propaganda nazi], dos anos 1930″, disseram ao jornal belga alguns espetadores.

Segundo o Brussels Times, na zona do desfile – onde havia pessoas com trajes brancos de barretes pontiagudos, similares aos da organização supremacista branca americana Ku Klux Klan – estava o político nacionalista belga Guy D’haeseleer. Os trajes tradicionais católicos usados em procissões belgas, espanholas e italianas são, contudo, muito semelhantes aos usados na parada, referiu o jornal.

O choque reportado pelo Brussels Times – ainda sem comentários do presidente da câmara da cidade, Christoph D’Haese – só chegou ao jornal belga um dia após publicações israelitas, como o Jerusalem Post ou a Jewish Telegraphic Agency, terem noticiado a situação e dado voz a protestos. “É chocante. Trata-se de típicas caricaturas antissemitas de 1939”, afirmou o rabino principal da Holanda, Binyomin Jacobs.

A Comissão Europeia (CE) já veio a público condenar o ocorrido: “Deveria ser óbvio para todos que este tipo de representação nas ruas da Europa é absolutamente impensável, 74 anos após o holocausto”, afirmou o porta-voz Margaritis Schinas, quando questionado sobre o assunto numa conferência de imprensa na terça-feira. “É responsabilidade das autoridades nacionais tomar as medidas adequadas, de acordo com a lei”, salientou.

O DN informou que os representantes dos judeus de língua francesa e flamenga da Bélgica também já se manifestaram, apresentando queixa à organização federal anti-discriminação UNIA. “Numa democracia como a belga, não há lugar para coisas deste tipo, no Carnaval ou noutra ocasião qualquer”.

Esta não é a primeira vez que são utilizados temas relativos a judeus nos desfiles de Carnaval de Aalst. Em 2013, reportou o Jewish Telegraphic Agency, um grupo participante criou um carro que parecia um vagão de comboio dos que os nazis usaram para transportar judeus para os campos de extermínio.

“Os seus criadores marcharam junto do carro vestidos de oficiais nazis e judeus ortodoxos. Um poster no vagão mostrava políticos belgas flamengos vestidos de nazis com recipientes onde se lia Zyklon B, o gás venenoso usado pelos nazis para assassinar os judeus nos campos de concentração”, referiu a publicação.

AlexSky / Pixabay

Carnaval em Aalst, na Bélgica

Em dezembro, a UNIA tinha expressado a sua preocupação com o antissemitismo na Bélgica, considerando existir a necessidade de um observatório específico para o antissemitismo no país.

“Vamos pedir ao ministro Kris Peeters, agora com a pasta da Igualdade, para iniciar a criação de um plano de ação interfederal contra a discriminação e o racismo. O antissemitismo continua a ser um problema”, lê-se na página da organização.

Este comunicado surgiu em reação a um inquérito efetuado a 16 mil judeus, em 12 países da União Europeia pela Agência Europeia dos Direitos Fundamentais, cujos resultados revelaram um “retrato assustador da Bélgica”.

“À exceção da França, a Bélgica é o país onde os judeus reportam sentir mais hostilidade na rua. Dos inquiridos, 81% apontam o espaço público como o lugar onde sentem mais o ódio contra si. A média europeia é de 70%”, assinalou a UNIA.

A diretora da UNIA, Els Keytsman, citada pela organização, acredita que estes números “exigem uma abordagem estrutural sob a forma de uma unidade de vigilância e de um plano em várias áreas. O antissemitismo tem muitas faces. Existem muitas formas de ódio aos judeus, ao mesmo tempo e no mesmo lugar”.

“Há formas de ódio fundadas no conflito israelo-palestiniano mas também as que vêm da extrema-direita. E também vemos uma espécie de antissemitismo de todos os dias, sob a forma de estereótipos e tudo o que tem a ver com o negacionismo”, acrescentou.

Apesar da preocupação da UNIA e dos números do relatório, as queixas apresentadas são poucas, tanto na Bélgica como no resto da Europa. Essa situação relaciona-se com “a desconfiança que as vítimas sentem e com o facto de acharem o racismo tão normal que já nem lhe reagem”. Ainda assim, “os incidentes sérios são hoje em dia punidos pela lei”.

Para a ex-presidente da Comunidade Israelita Portuguesa e diretora da associação Memoshoa (Associação Memória e Ensino do Holocasto), Esther Mucznik, esta situação é “um insulto tremendo à memória das pessoas que morreram”.

“Durante décadas vigorou uma espécie de tabu em relação a este assunto, era impensável fazer paródia, assumir um antissemitismo tão desbragado e ostensivo como esse. E deixou de haver esse tabu. Porquê? Talvez devido ao desaparecimento progressivo dos sobreviventes, à crise democracia representativa… Houve uma libertação da palavra. E agora o vírus irrompe e aparece à luz do dia. Mas esteve sempre lá”, notou.

Sobre como lidar, explicou que “nunca” foi “apologista de proibição, nem sequer da culpabilização da palavra, de as pessoas serem presas pelo que dizem. Mas há limites à liberdade de expressão”. Acha que estes atos deviam “simplesmente proibido” e criminalizados, como “ofensa à história, à humanidade, não só aos judeus”.

“As pessoas procuram sempre um bode expiatório. E os judeus são o bode expiatório tradicional: mandam no mundo, têm o dinheiro, são poderosos. Veja o Soros que está sempre a ser atacado na Hungria… Os nazis mataram a maioria dos judeus que viviam na Europa. Já só há dois milhões no continente e muitos estão a sair. De França, por exemplo, estão a sair muitos. Alguns vêm para cá, mas a maioria vai para Israel”, disse ainda.

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1 Comment

  1. Mas está tudo doido???
    Agora já não se pode fazer caricaturas? não se pode satirizar os judeus que já é antissemitismo? Nem satirizar os tipos do KKK que é racismo???
    Fonix, a xenofobia e o racismo está na cabeça das pessoas. Não caiam em exageros!

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