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Surpresa: a Via Láctea não é homogénea

ESA/ATG medialab; fundo - ESO/S. Brunier

Astrónomos da Universidade de Genebra observaram a composição dos gases na nossa Galáxia e mostraram que, ao contrário dos modelos estabelecidos até agora, não se misturam homogeneamente.

Para melhor entender a história e a evolução da Via Láctea, os astrónomos estão a estudar a composição dos gases e dos metais que compõem uma parte importante da nossa Galáxia.

Destacam-se três componentes principais: o gás inicial oriundo do exterior da nossa Galáxia, o gás entre as estrelas, no seu interior – enriquecido com elementos químicos -, e a poeira gerada pela condensação dos metais presentes neste gás.

Até agora, os modelos teóricos presumiam que estes três componentes se misturavam homogeneamente por toda a Via Láctea e que atingiam um nível de enriquecimento químico semelhante ao da atmosfera do Sol, denominado metalicidade solar.

Uma equipa de astrónomos da Universidade de Genebra (UNIGE) demonstra que estes gases não se misturam tanto quanto se pensava, o que tem um forte impacto na compreensão atual da evolução galáctica. Como resultado, as simulações da evolução da Via Láctea terão que ser modificadas.

Estes resultados podem ser lidos na revista Nature.

As galáxias são coleções gigantes de estrelas e são formadas pela condensação do gás do meio intergaláctico composto principalmente de hidrogénio e um pouco de hélio.

Este gás não contém metais, ao contrário do gás das galáxias – na astronomia, todos os elementos químicos mais pesados do que o hélio são chamados coletivamente de “metais”, embora sejam átomos na forma gasosa.

“As galáxias são alimentadas por gás ‘virgem’ que entra do exterior, que as rejuvenesce e permite que novas estrelas se formem,” explica Annalisa De Cia, professora no Departamento de Astronomia da Faculdade de Ciências da UNIGE e primeira autora do estudo.

Ao mesmo tempo, as estrelas queimam o hidrogénio que as constitui ao longo da sua vida e formam outros elementos por meio da nucleossíntese. Quando uma estrela que chegou ao fim da sua vida explode, expele os metais que produziu, como ferro, zinco, carbono e silício, adicionando estes elementos ao gás da galáxia.

Estes átomos podem então condensar-se em poeira, especialmente nas partes mais frias e densas da galáxia. “Inicialmente, quando a Via Láctea foi formada, há mais de 10 mil milhões de anos, não tinha metais. A partir daí, as estrelas enriqueceram gradualmente o ambiente com os metais produziam,” continua a investigadora. Quando a quantidade de metais neste gás atinge o nível que está presente no Sol, os astrónomos falam de metalicidade solar.

Um ambiente não tão homogéneo

O ambiente que compõe a Via Láctea, portanto, reúne os metais produzidos pelas estrelas, as partículas de poeira que se formaram a partir destes metais, mas também os gases de fora da Galáxia que regularmente entram nela.

“Até agora, os modelos teóricos consideravam que estes três componentes se misturavam homogeneamente e atingiam a composição solar na nossa Galáxia, com um ligeiro aumento da metalicidade no centro, onde as estrelas são mais numerosas,” explica Patrick Petitjean, investigador do Instituto de Astrofísica de Paris da Universidade Sorbonne. “Queríamos observar isto em detalhes usando um espectrógrafo ultravioleta no Telescópio Espacial Hubble.”

A espetroscopia permite que a luz das estrelas seja separada nas suas cores ou frequências individuais, um pouco como um prisma ou um arco-íris.

Nesta luz decomposta, os astrónomos estão particularmente interessados nas linhas de absorção: “Quando observamos uma estrela, os metais que constituem o gás entre a estrela e nós absorvem uma parte muito pequena parte da luz de uma forma característica, numa frequência específica, o que nos permite não só identificar a sua presença, mas também dizer que metal é e quão abundante é,” continua.

Um novo método desenvolvido para observar a metalicidade total

Durante 25 horas, a equipa de cientistas observou a atmosfera de 25 estrelas usando o Hubble e o VLT (Very Large Telescope) no Chile. O problema? A poeira não pode ser contada com estes espectrógrafos, embora contenha metais.

A equipa de Annalisa de Cia desenvolveu, portanto, uma nova técnica de observação. “Trata-se de levar em consideração a composição total do gás e da poeira observando simultaneamente vários elementos como o ferro, zinco, titânio, silício e oxigénio”, explica a investigadora de Genebra. “De seguida podemos rastrear a quantidade de metais presentes na poeira e adicioná-la àquela já quantificada pelas observações anteriores para obter o total.”

Graças a esta dupla técnica de observação, os astrónomos descobriram que não só o ambiente da Via Láctea não é homogéneo, mas que algumas das áreas estudadas atingem apenas 10% da metalicidade solar.

Esta descoberta desempenha um papel fundamental na conceção de modelos teóricos sobre a formação e evolução das galáxias,” diz Jens-Kristian Krogager, investigador no Departamento de Astronomia da UNIGE.

“A partir de agora, teremos que refinar as simulações aumentando a resolução, para que possamos incluir estas mudanças na metalicidade em diferentes locais da Via Láctea.”

Estes resultados têm um forte impacto na nossa compreensão da evolução das galáxias e da nossa em particular.

De facto, os metais desempenham um papel fundamental na formação das estrelas, da poeira cósmica, das moléculas e dos planetas. E sabemos agora que podem ser formadas hoje novas estrelas e planetas a partir de gases com composições muito diferentes.

// CCVAlg

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