SMNS/Tobias Wilhelm, Naturkunde Museum Stuttgart

Mirasaura grauvogeli (ilustração)
Réptil prepara-se para reescrever a história da evolução
Com cauda de macaco, patas adaptadas a trepar árvores, cabeça afilada semelhante à de aves e uma majestosa espécie de crista dorsal, rígida e colorida, o Mirasaura grauvogeli veio desafiar ideias antigas sobre a evolução das penas e de estruturas tegumentares complexas.
O réptil viveu há cerca de 247 milhões de anos, durante o período Triássico, segundo a descoberta recentemente publicada na Nature. Mas surpreendentemente, não pertencia ao grupo das aves nem dos dinossauros e viveu cerca de cem milhões de anos antes do primeiro voo de um dinossauro alado — apesar de ter estruturas que lembram penas.
Redescoberta com 80 anos
A referência ao animal não é nova, lembra a National Geographic. Os primeiros vestígios do Mirasaura vieram à luz em 1939, quando o colecionador de fósseis Louis Grauvogel explorava pedreiras no nordeste de França.
Na altura, as estruturas encontradas foram interpretadas como barbatanas de peixe ou asas de inseto. Só décadas mais tarde, em 2019, quando a coleção foi adquirida pelo Museu Estadual de História Natural de Estugarda, é que um investigador notou sinais de costelas e esqueletos associados às misteriosas “penas” fossilizadas.
Após uma limpeza minuciosa da rocha, surgiu o tronco, o pescoço e o crânio de um réptil, com uma crista de cerca de cinco centímetros.
O nome científico atribuído — Mirasaura grauvogeli — significa “réptil milagroso de Grauvogel” e presta homenagem ao colecionador que primeiro encontrou os fósseis. Embora os exemplares completos representem indivíduos jovens, algumas cristas isoladas sugerem que adultos poderiam ultrapassar os 30 centímetros de comprimento.
Uma família… peculiar
A investigação identificou o Mirasaura como pertencente aos drepanossauros, um grupo de répteis arborícolas já conhecido por apresentar características fora do comum.
Presentes na América do Norte e na Europa, estes animais tinham corpos robustos, ombros encurvados, olhos grandes voltados para a frente e, muitas vezes, polegares oponíveis. A sua cauda preênsil, útil para se fixar nos ramos, aproxima-os funcionalmente de primatas como os macacos.
Alguns drepanossauros possuíam ainda garras especializadas, incluindo exemplares com uma garra na ponta da cauda. O Mirasaura, no entanto, destacou-se pela sua vistosa crista dorsal composta por estruturas sobrepostas, provavelmente de queratina, que se erguiam verticalmente e exibiam cores vivas.
Ligação com enigma paleontológico
A nova descoberta ajudou a resolver um mistério que intrigava os paleontólogos há décadas: a identidade do Longisquama, um réptil fragmentário descoberto na década de 1970 na Ásia Central, famoso pelas suas longas estruturas dorsais semelhantes a penas.
O estudo concluiu que o Longisquama era, afinal, outro membro da família dos drepanossauros, afastando interpretações erróneas que, no passado, tinham sido usadas para questionar a origem das aves nos dinossauros.
Evolução convergente
As estruturas do Mirasaura e do Longisquama, apesar de não serem penas verdadeiras, partilham semelhanças impressionantes com a plumagem das aves, incluindo a presença de melanossomas — células responsáveis pela pigmentação. A diferença reside na forma: enquanto as penas modernas possuem filamentos bifurcados, as do Mirasaura formavam uma superfície lisa em torno do eixo central.
Segundo os investigadores, trata-se de um caso exemplar de evolução convergente, em que diferentes ramos da árvore da vida desenvolvem soluções morfológicas semelhantes para funções idênticas. Neste caso, as cristas poderão ter servido para exibição visual, comunicação ou até regulação térmica.
O facto de os drepanossauros pertencerem a um ramo evolutivo muito antigo sugere que a capacidade genética para produzir apêndices complexos como penas e pelos surgiu muito cedo entre os vertebrados, sendo possivelmente mais disseminada do que se pensava.