ESA, Illustris

Simulação da “teia cósmica”, a vasta rede de filamentos que se estende por todo o Universo
Os astrónomos descobriram um enorme filamento de gás quente que liga quatro enxames de galáxias. Com uma massa 10 vezes maior que a da nossa Galáxia, o filamento poderá conter alguma da matéria “em falta” no Universo, resolvendo um mistério de décadas.
Mais de um-terço da matéria “normal” do Universo local – o material visível que constitui as estrelas, os planetas, as galáxias e a vida – está em falta.
Ainda não foi vista, mas é necessária para que os nossos modelos do cosmos funcionem corretamente.
Esses modelos sugerem que esta matéria elusiva pode existir em longas cadeias de gás, ou filamentos, que ligam as zonas mais densas do espaço.
Apesar de já termos visto filamentos anteriormente, é difícil distinguir as suas propriedades; são tipicamente ténues, tornando difícil isolar a sua luz da de quaisquer galáxias, buracos negros e outros objetos que se encontrem nas proximidades.
Uma nova investigação é agora uma das primeiras a fazer isso mesmo, encontrando e caracterizando com precisão um único filamento de gás quente que se estende entre quatro enxames de galáxias no Universo próximo.
A descoberta foi apresentada num artigo publicado na semana passada na revista Astronomy & Astrophysics.
“Pela primeira vez, os nossos resultados correspondem exatamente ao que vemos no nosso modelo principal do cosmos – algo que nunca tinha acontecido antes”, diz o autor principal do estudo, Konstantinos Migkas, investigador do Observatório de Leiden, nos Países Baixos.
“Parece que as simulações estavam certas desde o início”, acrescenta o astrónomo.
XMM-Newton está a tratar do caso
Com uma temperatura de mais de 10 milhões de graus, o filamento contém cerca de 10 vezes a massa da Via Láctea e liga quatro enxames de galáxias: dois numa extremidade e dois na outra.
Todos fazem parte do Superenxame de Shapley, um conjunto de mais de 8000 galáxias que forma uma das estruturas mais massivas do Universo próximo.
O filamento estende-se diagonalmente para longe de nós através do superenxame ao longo de 23 milhões de anos-luz, o equivalente a atravessar a Via Láctea de ponta a ponta cerca de 230 vezes.
Konstantinos e os seus colegas caracterizaram o filamento combinando observações de raios X do XMM-Newton e do Suzaku, e analisando dados óticos de vários outros.
Os dois telescópios de raios X foram parceiros ideais. O Suzaku mapeou a ténue luz de raios X do filamento numa vasta região do espaço, enquanto o XMM-Newton identificou com grande precisão fontes contaminantes de raios X – nomeadamente, buracos negros supermassivos – que se encontravam no interior do filamento.
“Graças ao XMM-Newton pudemos identificar e remover estes contaminantes cósmicos, pelo que sabíamos que estávamos a olhar para o gás no filamento e nada mais”, acrescenta o coautor Florian Pacaud, da Universidade de Bona, Alemanha.
“A nossa abordagem foi realmente bem-sucedida e revela que o filamento é exatamente o que esperávamos das nossas melhores simulações do Universo em grande escala”.
ESA/XMM-Newton e ISAS/JAXA

O novo filamento que liga quatro enxames de galáxias: dois numa extremidade e dois na outra. Estes enxames são visíveis como pontos brilhantes na parte inferior e superior do filamento (quatro pontos brancos rodeados de cor)
Não verdadeiramente desaparecido
Para além de revelar um enorme e nunca antes visto filamento de matéria que atravessa o cosmos próximo, a descoberta mostra como algumas das estruturas mais densas e extremas do Universo – os enxames de galáxias – estão ligadas ao longo de distâncias colossais.
Também lança luz sobre a própria natureza da “teia cósmica”, a vasta e invisível teia de filamentos que está na base da estrutura de tudo o que vemos à nossa volta.
“Esta investigação é um excelente exemplo de colaboração entre telescópios e cria uma nova referência sobre como detetar a luz proveniente dos filamentos ténues da teia cósmica”, acrescenta Norbert Schartel, cientista do projeto XMM-Newton da ESA.
“Mais fundamentalmente, reforça o nosso modelo padrão do cosmos e valida décadas de simulações: parece que a matéria ‘em falta’ pode estar realmente escondida em filamentos difíceis de ver, tecidos através do Universo”.
A missão Euclid da ESA tem como objetivo obter uma imagem precisa da teia cósmica. Lançada em 2023, a missão está a explorar a estrutura e a história desta teia.
A missão está também a investigar a fundo a natureza da matéria escura e da energia escura — nenhuma das quais foi alguma vez observada, apesar de representarem impressionantes 95% do Universo — e a trabalhar com outros detetives do Universo escuro para resolver alguns dos maiores e mais antigos mistérios cósmicos.
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