Nova equipa acabou com mortes fora da época balnear. “Muitos gostariam” de ser nadador-salvador, mas desistem — “a carreira não existe”.
O município da Nazaré foi o primeiro do país a ter vigilância balnear todo o ano, o que acabou com os afogamentos fora de época, depois de, em 2017, terem morrido nove pessoas na praia, na primavera.
Daniel Meco, presidente da Associação de Nadadores-Salvadores da Nazaré, explicou à Lusa que as mortes registadas no mar no período de inverno e primavera incidiam não sobre banhistas, mas entre excursionistas, geralmente idosos, que chegavam à marginal da vila e iam molhar os pés, ou tirar fotografias junto à costa, sem perceberem o perigo que corriam, face ao mar da costa atlântica.
“Algumas pessoas não morriam porque havia aqui uma série de pessoas, como eu e outros, que estavam a fazer surf ou estavam por perto, e resgatavam as pessoas a tempo. Mas, mesmo assim, até 2017, havia bastantes mortes por afogamento aqui na praia”, lembrou.
Nova equipa acabou com mortes
Após terem insistido com a necessidade de nadadores-salvadores todo o ano – algo que outros concelhos, como Cascais, Matosinhos ou Póvoa do Varzim, também passaram a ter — o município acabou por protocolar com a associação essa vigilância, até pelo incremento de visitas à Nazaré face às provas de surf de ondas gigantes, na praia do Norte.
“Formou-se uma equipa de cinco pessoas [apoiadas por uma moto-4] por protocolo com a Câmara, que se mantém hoje e a partir daí nunca mais morreu ninguém na praia por afogamento”, vincou Daniel Meco.
A esse dispositivo, no inverno, juntam-se outros três nadadores-salvadores na praia do Norte (que trabalham aos fins de semana e em dias de ondas gigantes) num total de oito operacionais. Já no período de verão, na atual época balnear, o dispositivo na Nazaré integra 26 nadadores-salvadores.
“Ao sabor das marés”
A existência de uma carreira para obstar a que a experiência acumulada pelos mais veteranos não deixe de existir nas praias portuguesas, mas também para que possa haver uma maior uniformidade de vencimentos, é defendida por Daniel Meco.
“As coisas ainda andam um bocado ao sabor das marés”, ilustrou, aludindo a vencimentos de 2.500 euros mensais ou superiores, em alguns casos, que considerou um exagero.
“Não pode ser o salário mínimo como está previsto na lei, nem exageros como 2.500 ou 3.000 euros, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. E, por vezes, existe uma rigidez na lei que não tem nada a ver com o que existe nas praias. As praias são todas diferentes: o que serve para uma praia pode não servir para outra. O Algarve é diferente do Norte e do Centro, e as decisões deviam ser geridas localmente pelos capitães dos portos e pelas câmaras municipais”, argumentou o dirigente associativo.
Daniel Meco insistiu na alteração da legislação em vigor, mesmo se a Lei de Bases de Prevenção do Afogamento tarda em ser aprovada, depois de uma primeira proposta, entregue em 2023, ao então governo, ter regressado ao Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), onde ainda se mantém.
O presidente da associação da Nazaré lembrou, a esse propósito, que a atual lei obriga à existência de dois nadadores-salvadores a cada 100 metros de praia: “Ora, eu tenho aqui uma zona, a norte, junto ao promontório, onde no verão estão centenas de pessoas. Sou obrigado a ter dois nadadores-salvadores e eu tenho sempre três, porque dois não conseguem aguentar o fluxo de pessoas na praia”, observou.
Este ano, a Nazaré já tem uma torre de vigia na praia (algo que a nova lei preconiza), ali colocada pelo município, mas, como não está homologada, por ainda não haver legislação específica, “não se pode chamar torre de vigia”, disse Daniel Meco.
Cerca de 60 quilómetros em linha reta a norte, a Figueira da Foz é o município continental que tem o maior dispositivo de nadadores-salvadores do país, contando com um total de 77 operacionais, numa época balnear que começou em 31 de maio e se estende até setembro.
João Matias, coordenador da Proteção Civil Municipal, explicou que, face à letra da lei em vigor, cuja alteração também defende, e às 30 zonas balneares existentes no concelho, seriam necessários “mais de 200 nadadores-salvadores, o que era impensável”. A solução passou pela elaboração de um plano integrado, “com adequação do dispositivo às necessidades existentes numa matriz de risco”, submetido à capitania do porto, que deu parecer positivo e ao ISN, que o aprovou.
“Só se lembram do curso quando vem o Sol”
Para além do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), que certifica todos os cursos realizados a nível nacional, e é responsável pelos exames finais, as duas únicas escolas públicas existentes em Portugal estão localizadas na Nazaré (distrito de Leiria) e na Figueira da Foz (distrito de Coimbra), sendo esta a única detida por um município.
Em declarações à agência Lusa, Pedro Figueira, coordenador da formação de nadadores-salvadores, defendeu que os cursos deviam começar mais cedo e não em cima da época balnear, mas faltam candidatos, na sua maioria jovens estudantes universitários.
“Todas as semanas tenho pedidos de divulgação de ofertas de emprego e vejo entidades, de autarquias a concessionários, muito aflitas por necessitarem de nadadores-salvadores. A grande questão é que toda a gente só se lembra dos nadadores-salvadores quando aparecem os primeiros raios de sol”, argumentou o técnico superior do For-Mar.
A escola da Nazaré tinha a intenção de realizar um curso durante a época de inverno, mas chegou à conclusão que tentar preparar a época balnear “com mais calma, é tarefa impossível”, porque não há candidatos disponíveis.
“A carreira não existe”
Os candidatos são jovens entre os 18 e os 30 anos, na grande maioria estudantes universitários na casa dos 20 anos. A atividade de nadador-salvador acaba por funcionar como um complemento financeiro enquanto estudam, mas, sem existir uma carreira profissional, ou regalias, como a isenção de propinas ou mecanismos que não os façam ter de abdicar de bolsas, acabam por desistir da função ainda durante os estudos ou terminados estes.
Embora num passado recente a atividade de nadador-salvador, pelos baixos preços praticados, não fosse tão atrativa (levando a que concursos públicos, concretamente promovidos por municípios, ficassem desertos) neste momento, segundo Pedro Figueira, “está relativamente bem remunerada”.
“É a lei da oferta e da procura a funcionar. Mas grande parte dos jovens exercem dois, três anos, enquanto estudam, depois orientam a vida deles e deixam de exercer, a carreira não existe, muitos deles gostariam, mas desistem”, observou.
As formações certificadas pelo ISN, em entidades públicas ou privadas, são todas idênticas – 150 horas de duração, módulos teóricos e práticos em piscina, com aulas obrigatórias no mar (nas praias costeiras) ou em águas abertas (para albufeiras ou praias fluviais) – embora os cursos públicos acabem por ter preços mais baixos (200 euros na Nazaré, 220 na Figueira da Foz).
Pedro Figueira frisou que o primeiro módulo é um enquadramento histórico, legal e cívico da atividade, ainda antes de se falar de praias, primeiros socorros ou resgates, e que a atividade de qualquer nadador-salvador está diretamente ligada à prevenção.
“A atividade do nadador-salvador, em 99% das suas funções, tem de ser prevenção, e as pessoas têm ideia que é a de ir tirar pessoas ao mar, a prevenção é a base de todo o trabalho. Um nadador-salvador que faça uma boa prevenção poucas vezes vai buscar alguém ao mar”, vincou.
Em 2016, perante a inexistência de nadadores-salvadores nas suas praias, 30 zonas balneares em outros tantos quilómetros de costa, a autarquia da Figueira da Foz criou a Foz Resgate, a única escola municipal do país.
João Matias, coordenador municipal da Proteção Civil, explicou à Lusa que se a atividade da escola começou neste município litoral do distrito de Coimbra, rapidamente se estendeu a outras zonas do país, com pedidos de norte a sul, de Trás-os-Montes ao Alto Alentejo, passando por várias autarquias do interior, como Arouca – onde continua a dar cursos – apesar de estrutura criada não ter dimensão para acorrer a todo o lado e a ideia não ser massificar a formação.
“Até de Matosinhos já vieram ter connosco, é porque alguma coisa estamos a fazer bem”, notou João Matias.
Atualmente, a Foz Resgate já possui certificação para nadadores-salvadores operadores de moto-4 e de motos de água de salvamento, estando em curso a certificação para coordenadores.
Segundo os dados disponíveis, em cinco anos, entre 2020 e 2024, a escola formou mais de 600 nadadores-salvadores, aprovados nos exames do ISN (taxas entre os 70% e os 86%), embora o número de inscritos nos dois cursos que dão, anualmente, na Figueira da Foz – um no período da Páscoa, diurno, outro antes da época balnear, em regime pós-laboral – mais do que duplicassem o número de aprovações.
Em 2022, um dos anos com aprovação mais baixa (69,2%) entre os candidatos sujeitos a exame, foram 306 os inscritos, mas só 268 iniciaram o curso, após os primeiros testes físicos obrigatórios. E destes, 231 chegaram aos exames finais, tendo sido aprovados 145.
ZAP // Lusa