/

Incomodava o Estado Novo: quando a PIDE suspendeu o Jornal do Fundão

“Este jornal não dá a garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”. Estávamos em 1965.

A PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado tentava controlar toda a comunicação social. E começou a não gostar do que o Jornal do Fundão estava a publicar.

O jornal foi criado já durante o Estado Novo. Mais concretamente em 1946, logo a seguir à II Guerra Mundial – quando alguns portugueses esperavam uma maior abertura por parte de António de Oliveira Salazar, depois das derrotas das ditaduras na guerra; não aconteceu.

O jornal não foi “mais um” jornal regional. Foi preponderante, não só na informação, mas no seu papel cultural, cívico. Um jornalismo de causas.

Tinha uma linha editorial crítica ao regime. Lutava pela democracia, envolvia-se também em causas culturais que contrariavam os interesses de Salazar.

Foi a “voz” de intelectuais, escritores, padres progressistas e outras personalidades que defendiam reformas políticas, sociais e culturais. Foi o palco de movimentos que queriam uma mudança.

José Saramago, Carlos Drummond de Andrade, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, Eugénio de Andrade, Alves Redol, Ruy Belo e Ana Hatherly (entre outros) escreveram para o Jornal do Fundão.

Era um atrevimento, mas publicava críticas à censura e à repressão política; defendia renovar a Igreja Católica – alinhado com o espírito do Concílio Vaticano II (entre 1962 e 1965); cobria movimentos democráticos e associativos no interior de Portugal; e denunciava as más condições de vida nas zonas rurais e o atraso económico e social da Beira Interior.

A PIDE foi avisando. Deixou advertências, censurou artigos.

Os anos foram passando, o conteúdo não teve qualquer alteração significativa. Em 1965 a PIDE ordenou a suspensão do jornal.

“Este jornal não dá a garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado, afectando portanto, de modo particular, a idoneidade desse jornal. A bem da nação”.

Este foi o ofício, o documento oficial, que suspendeu o jornal. Citado pelo seu actual director, Nuno Francisco.

60 anos depois, o director explicou na RTP que este era o “momento oportuno” para se falar sobre jornalismo, sobretudo a nível de negócio. Realizou um debate sobre o assunto, no mês passado.

O Jornal do Fundão esteve suspenso durante meio ano. Voltou, e ainda hoje é visto como um símbolo da resistência cultural e jornalística ao Estado Novo, sobretudo no interior do país.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.