Uma pequena ilha filipina desafia Pequim no Mar do Sul da China

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A China reclama soberania sobre quase todo o Mar do Sul da China, rico em petróleo e gás. A reivindicação territorial é contestada por cinco dos países da região, mas apenas o Vietname e as Filipinas se atrevem a fazer frente a Pequim. A pequena ilha de Pagasa é um estandarte dessa resistência.

Com apenas 37 hectares, a ilha de Pagasa – ou “esperança” – controlada pelas Filipinas, é pouco maior que o suficiente para se viver. Quase não há nada lá.

Os cerca de 300 habitantes vivem num aglomerado de pequenas casas de madeira. Pescam nas águas turquesa cristalinas e cultivam os vegetais que conseguem no solo arenoso.

Mas não estão sozinhos nestas águas disputadas: logo ao largo, a oeste, encontra-se uma armada, conta Jonathan Head, repórter da BBC, que visitou recentemente a pequena ilha filipina.

Os navios dessa armada são todos chineses, da marinha, da guarda costeira ou da chamada milícia marítima – são pelo menos 20, grandes embarcações de pesca reconvertidas para manter a dominância chinesa neste mar.

Durante os últimos 10 anos, a China tem expandido a sua presença no Mar do Sul da China, tomando recifes de coral submersos, construindo grandes bases aéreas sobre eles e destacando centenas de navios para reforçar a sua reivindicação sobre quase todas as rotas marítimas estratégicas que correm para sul a partir das grandes cidades exportadoras na costa chinesa.

As tensões no centro do Mar da China Meridional, ou Mar do Sul da China, têm aumentado desde que Pequim passou a alegar que praticamente todo o mar faz parte das suas águas territoriais.

A reivindicação é vigorosamente contestada pelo Vietname, Filipinas, Malásia, Taiwan e Brunei, que disputam com a China a posse de várias ilhas na região. Crê-se que a enorme área, que inclui mar e ilhas, seja rica em petróleo e gás.

Lindsey Burrows / Civilsdaily

Localização dos territórios em disputa no Mar da China Meridional

Poucos dos países do Sudeste Asiático que também reivindicam ilhas no mesmo mar ousaram enfrentar a China; apenas o Vietname e as Filipinas o fizeram. Os exércitos de ambos os países são muito menores que o da China, mas estão a manter um punhado de recifes e ilhas.

Pagasa – também conhecida como Thitu e outros nomes, pois é reivindicada por vários outros países – é a maior destas.

O que a torna excecional, no entanto, é a população civil, encontrada em poucas ilhas no Mar do Sul da China. Do ponto de vista das Filipinas, isto, e o facto de Pagasa ser terra sólida, não um recife parcialmente submerso ou um banco de areia, fortalece as suas reivindicações legais na área.

Pagasa é muito importante para nós”, diz Jonathan Malaya, diretor-geral adjunto do Conselho de Segurança Nacional das Filipinas, à BBC. “Tem uma pista de aterragem. Pode sustentar vida – tem uma comunidade filipina residente e pescadores a viver lá.

“E dado o tamanho da ilha, uma das poucas que não precisou de ser recuperada do mar, segundo o direito internacional gera o seu próprio mar territorial de 12 milhas náuticas. “Portanto, é, de certa forma, um pilar para a presença filipina“.

Ray Powell / Philstar

Enxame de navios chineses ao largo de Pagasa

Chegar a Pagasa é uma viagem de barco de dois a três dias a partir da ilha filipina de Palawan, ou uma viagem de avião de uma hora, mas ambas estão à mercê do frequente mau tempo.

Até pavimentarem a pista há dois anos, e a alongarem para 1.300 m, apenas pequenos aviões podiam aterrar. Agora podem trazer grandes aeronaves de transporte C130. Viajar neles é um pouco como andar num autocarro na hora de ponta.

Tudo tem de ser trazido do continente, por isso o nosso avião estava cheio, do chão ao teto, com colchões, ovos, sacos de arroz, algumas motas e pilhas de bagagem – para não mencionar muitos militares, a maioria dos quais teve de ficar de pé durante todo o voo.

Muita coisa mudou nos últimos anos. Há um novo hangar, grande o suficiente para abrigar aeronaves durante tempestades. Estão a construir uma torre de controlo e a dragar um pequeno porto para permitir que barcos maiores atraquem.

As Filipinas tomaram Pagasa de Taiwan em 1971, quando a guarnição taiwanesa a abandonou durante um tufão. Foi formalmente anexada pelas Filipinas em 1978.

Mais tarde, o governo começou a encorajar civis a estabelecerem-se lá. Mas eles precisam de apoio para sobreviver neste remoto pedaço de terra. As famílias recebem doações oficiais de comida, água e outros mantimentos todos os meses. Agora têm eletricidade e conectividade para telemóveis, mas só há quatro anos.

Além dos empregos governamentais, a pesca é a única forma viável de ganhar a vida, e desde a chegada das flotilhas chinesas até isso se tornou difícil.

O pescador Larry Hugo vive na ilha há 16 anos e tem registado o crescente controlo chinês da área. Filmou a construção inicial no Recife Subi, a cerca de 32 km de Pagasa, que eventualmente se tornou uma base aérea militar de tamanho completo.

Em 2021, um dos seus vídeos mostrava o seu pequeno barco de madeira quase a ser abalroado por um navio da guarda costeira chinesa, que lhe bloqueou o caminho. O video tornou-o uma pequena celebridade; além de pescador, é agora também criador de conteúdos no Facebook, onde divulga cenas da ilha.

Mas o assédio chinês forçou-o a pescar numa área menor, mais próxima de casa. “Os navios deles são enormes comparados com os nossos. Ameaçam-nos, aproximando-se e tocando as suas buzinas para nos afastar. Realmente assustam-nos. Por isso, já não vou aos meus antigos pesqueiros mais afastados”, conta Hugo.

“Agora tenho de pescar perto da ilha, mas os stocks de peixe aqui estão a diminuir, e é muito mais difícil encher as nossas tinas como costumávamos fazer”, lamenta o pescador filipino.

Realyn Limbo é professora na ilha há 10 anos e viu a escola crescer de uma pequena cabana para uma escola completa, ensinando mais de 100 alunos, do jardim de infância até aos 18 anos.

Para mim, esta ilha é como um paraíso“, diz Limbo. “Todas as nossas necessidades básicas são satisfeitas. É limpo e pacífico – as crianças podem jogar basquetebol ou ir nadar depois da escola. Não precisamos de centros comerciais ou todo esse materialismo.”

Pagasa é realmente tranquila. No intenso calor do meio-dia, a maioria das pessoas  dormita em redes ou toca música nos seus alpendres. Melania Alojado, uma trabalhadora de saúde da aldeia, embala um pequeno bebé para o ajudar a adormecer.

“O nosso maior desafio é quando as pessoas, especialmente crianças, adoecem“, diz Alojado. “Se for grave, precisamos de evacuá-las para o continente. Não sou enfermeira registada, por isso não posso realizar tarefas médicas complicadas. Mas os aviões nem sempre estão disponíveis, e às vezes o tempo está demasiado agitado para viajar.

“Quando isso acontece, temos apenas de cuidar deles o melhor que podemos“.

Mas Alojado também valoriza a tranquilidade da vida na ilha. “Estamos livres de muitos stresses. Recebemos comida subsidiada e podemos cultivar alguma da nossa própria. Na grande cidade, tudo o que se faz precisa de dinheiro“.

Há algumas casas novas em construção, mas não há de facto espaço em Pagasa acomodar muitas mais pessoas. Com poucos empregos, os jovens geralmente deixam a ilha assim que terminam a escola.

Joseph Morong

Detalhe da ilha de Pagasa captado pelo repórter Joseph Morong para a GMA News Online

Apesar de todo o seu encanto sonolento e praias deslumbrantes de areia branca, tem o aspeto de uma comunidade de guarnição, mantendo a linha contra a presença chinesa esmagadora que é claramente visível logo ao largo.

Jonathan Malaya diz que o seu governo tem feito um protesto diplomático formal todas as semanas à Embaixada chinesa sobre a presença dos seus navios no que as Filipinas consideram as águas territoriais de Pagasa.

Esta postura contrasta marcadamente com a administração anterior do Presidente Rodrigo Duterte, que evitou confrontos com a China na esperança de obter mais investimento nas Filipinas.

“Acho que ganharemos mais respeito da China se mantivermos a nossa posição e mostrarmos que também podemos jogar este jogo. Mas o problema das democracias como as Filipinas é que as políticas podem mudar com novas administrações”, diz Malaya.

A China não tem esse problema“, conclui.

ZAP //

1 Comment

  1. O problema é que nessa região os limites marítimos cruzam-se.
    Existem ilhas que – legalmente – podem ser reclamadas por vários países.
    No final, vale a lei da selva … ou dos piratas, no caso.

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