Porque e que os nepaleses querem voltar a ter um rei?

Lokantar TV/Youtube

Gyanendra Shah, o último rei do Nepal.

O último fantasma da monarquia voltou ao Nepal, 17 anos depois. Com a República “a nação afundou-se ainda mais”, por isso muitos estão a mudar de ideias.

“Volta rei, salva o país! Desocupem o palácio real para o rei! Viva o nosso querido rei!”.

Foi entre estas palavras que Gyanendra Shah caminhou até à sua residência no seu caloroso regresso a Katmandu. Ele, que fugiu do país há quase 17 anos, depois de entregar a sua coroa, está de repente disposto a ajudar na “salvação do país”, como disse no Dia da Democracia do Nepal, no mês passado, citado pelo Nepal Times.

Desiludidos com o regime que substituiu a monarquia secular e autoritária, em 2008, cerca de 10 mil nepaleses receberam o antigo rei com muita alegria de volta à vida pública. Muitos que gritaram por Gyanendra no passado dia 9 de março gritaram contra ele ainda há poucos anos. Agora, acompanham-no em manifestações pró-monarquia por todo o país.

A hora é muito propícia a regressos inesperados: a coroa foi trocada por espinhos, na visão dos nepaleses. No seio da instabilidade política — 13 governos lideraram o país nestes 17 anos —, dificuldades económicas e muita corrupção desde o desmantelamento da monarquia, as culpas recaem na república, com os principais partidos a inspirar cada vez mais desconfiança nos eleitores.

“Eu participei nos protestos que levaram à abolição da monarquia, na esperança de que isso ajudasse o país”, disse um homem da multidão que saudava Gyanendra à agência AP. “Enganei-me, e a nação afundou-se ainda mais, por isso mudei de ideias”.

Muitos nepaleses pedem mais estabilidade e mais motivos para se orgulharem do seu país — sentimentos que muitos associam agora à antiga família real e que crescem, especialmente, nas redes sociais.

Um grande compêndio de conteúdos pró-monarquia na Internet começou a romantizar o passado, onde os reis surgem como defensores da soberania do Nepal. O cardápio atrai especialmente os jovens, desiludidos, e com fome de mudança drástica. Mas talvez assim seja porque não têm memória da monarquia, cujas mãos têm sangue muito fresco, derramado ainda neste século.

O homem de 77 anos que muitos querem ver no trono outra vez nunca esteve destinado a ser rei. Gyanendra herdou a coroa em 2001 — o ano da tragédia no refeitório do salão Tribhuvan Sadan, no palácio real, que ficou conhecido para a história como o Massacre da Família Real do Nepal.

Na noite de 1 de junho, o príncipe herdeiro Dipendra assassinou a tiro 9 membros da família real, incluindo os seus pais e irmãos antes de se suicidar. Porquê não se sabe ao certo, mas os rumores apontaram para um amor proibido, condenado pelos pais, que o príncipe vivia com uma aristocrata indiana.

Gyanendra não estava no salão durante o massacre e, apesar das suspeitas do seu envolvimento, tornou-se rei simbólico. Mas em 2005, tomaria o poder absoluto sob o pretexto da necessidade urgente de derrotar os rebeldes maoístas. O agora rei fez cair o governo, declarou estado de emergência e governou através do exército. O povo não gostou, protestou e, um ano depois, Gyanendra era forçado a abandonar o controlo do país. Fugiu “para viver a vida de um plebeu”, recorda o The Times.

Dois anos mais tarde, o parlamento do Nepal aboliu formalmente a monarquia. A Constituição de 2015 transformou o Nepal numa república democrática federal, transformando a nação na república secular que agora muitos querem substituir pela coroa ensanguentada.

“A história repete-se, primeiro como uma tragédia, depois como uma farsa”.

Tomás Guimarães, ZAP //

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