“Gulag tropical”. Trump quer enviar imigrantes e americanos para mega-prisão em El Salvador

John Mabanglo / EPA

Donald Trump

Donald Trump mostrou-se disponível para assinar um acordo com El Salvador após o país da América Central ter anunciado a sua disponibilidade para receber as pessoas deportadas dos Estados Unidos.

A administração Trump quer assinar um acordo com El Salvador para que imigrantes e cidadãos norte-americanos comecem a ser enviados para prisões no pequeno país da América Central.

O plano surgiu após o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ter manifestado publicamente a disponibilidade do país para receber as pessoas deportadas pelos Estados Unidos — isto depois de Trump ter começado a enviar 30 mil imigrantes para a prisão extrajudicial de Guantánamo Bay, onde os reclusos não têm direito a fazer pedidos de habeas corpus para contestar detenções injustas.

Esta terça-feira, Donald Trump disse aos jornalistas que estava aberto à ideia, mas questionou a sua legalidade. “Se tivermos o direito legal de o fazer, falo-ia num instante. Não sei se temos ou não. Estamos a ponderar isso agora, mas podemos fazer um acordo para tirarmos estes animais do nosso país“, afirmou.

O Secretário de Estado Marco Rubio também agradeceu a “oferta generosa” de Bukele, apesar de reconhecer as “legalidades” que podem travar a ideia, especialmente tendo em conta a intenção de também deportar pessoas com cidadania norte-americana e com autorização para viver nos EUA.

“Temos uma Constituição. Mas é uma oferta muito generosa. Ninguém nunca fez uma oferta como essa para terceirizar, por uma fração do custo, pelo menos alguns dos criminosos mais perigosos e violentos que temos nos Estados Unidos. Mas obviamente, a administração terá que tomar uma decisão”, referiu Rubio.

A proposta está a ser arrasada por especialistas na lei norte-americana. “Os EUA estão absolutamente proibidos de deportar cidadãos norte-americanos, estejam eles encarcerados ou não”, afirmou Leti Volpp, professora de direito da UC Berkeley, especializada em leis de imigração e teoria da cidadania, à CNN.

“É uma proposta bizarra e sem precedentes”, considera ainda Mneesha Gellman, professora do Emerson College. “Não está enraizada em qualquer tipo de disposição legal e provavelmente viola uma série de leis internacionais relacionadas com os direitos dos migrantes. Querem essencialmente a enviar pessoas para um país que não é o país de origem nem é necessariamente o país por onde passaram”, frisa.

O “gulag tropical” de El Salvador

Bukele tem tornado a guerra ao crime a sua principal bandeira política. Desde março de 2022, mais de 84 mil pessoas foram presas, muitas delas com pouco ou nenhum processo legal. Há até relatos de pessoas que são presas apenas por terem tatuagens que as autoridades acreditem ser símbolos de gangues.

A principal prisão do país é conhecida como CECOT (Centro de Confinamento do Terrorismo) e é uma das maiores da América Latina, com capacidade para 40 mil reclusos. Foi inaugurada em janeiro de 2023 e os vídeos do Governo mostram os prisioneiros em roupa interior sentados quase em cima uns dos outros e hospedados em celas sem camas suficientes para todos.

A CECOT é composta por oito amplos pavilhões e cada cela tem capacidade para entre 65 a 70 presos. No entanto, o acesso à prisão é muito restrito, pelo que não se sabe ao certo quantos reclusos dormem em cada cela. Alguns grupos de defesa dos direitos humanos estimam que o número seja de 80 prisioneiros, enquanto outros apontam que pode chegar a mais de 150.

Os reclusos são confinados em celas sem janelas, dormem em beliches de metal e são constantemente monitorizados por guardas armados – alguns dos quais os vigiam do alto do teto de treliça. Ficam ainda trancados dentro das suas celas 24 horas por dia, tendo apenas 30 minutos de exercício diário num corredor sem janelas.

A jornalista da BBC Leire Ventas, que visitou a prisão, estima que as temperaturas nas celas cheguem aos 35.ºC. Questionado pela BBC sobre a lotação máxima, o diretor do estabelecimento respondeu que “onde cabem 10 pessoas, cabem 20”.

Os prisioneiros não recebem visitas e não há quaisquer programas educativos ou de preparação para a reinserção na sociedade, refere a Associated Press. Os refeitórios, salas de descanso, ginásio e jogos de tabuleiro da prisão são para os guardas.

O ministro da Justiça de Bukele inclusive já disse à CNN que seria “estúpido” alguma vez libertar os prisioneiros. “Não temos a pena de morte, então temos de os prender a todos“, afirmou Bukele no ano passado.

Bukele também implementou um programa de trabalho escravo conhecido como “Plano Cero Ocio” – ou “Plano Zero Ócio” – onde milhares de prisioneiros foram recrutados para realizar trabalhos para o Governo, muitas vezes sem remuneração, a fim de mitigar o custo do sistema penal do país.

Os prisioneiros em El Salvador são utilizados na construção, no trabalho agrícola, na indústria têxtil, no trabalho de saneamento e numa série de outros empregos industriais no setor público salvadorenho, relata a Rolling Stone.

Este tipo de sistema é semelhante ao que já existe nos Estados Unidos, onde a Constituição inclui uma lacuna que permite a escravatura “como punição por um crime pelo qual a parte tenha sido devidamente condenada”. A maioria dos prisioneiros nos EUA é obrigada a trabalhar, muitas vezes recebendo ninharias e estando isentos das proteções laborais no local de trabalho. Mais de 1000 reclusos trabalharam no combate aos incêndios que recentemete desolaram Los Angeles.

As condições da prisão em El Salvador têm suscitado uma avalanche de críticas por parte de organizações de direitos humanos. A organização Cristosal, baseada na América Central, afirmou no último verão que pelo menos 261 pessoas morreram nas prisões de El Salvador desde o início da guerra ao crime.

O centro de estudos Wilson Center também descreve a CECOT como um “gulag tropical“, numa comparação com as prisões soviéticas na Sibéria, onde os prisioneiros também faziam trabalhos forçados.

A Human Rights Watch também afirmou no ano passado que encontrou indícios de “mortes sob custódia, encontrando evidências de potencial tortura, maus-tratos e falha na prestação dos cuidados médicos necessários” dentro das instalações.

“Em alguns casos, as autoridades enterraram os detidos falecidos em valas comuns sem informar as famílias ou conduzir investigações adequadas”, escreveu o grupo num relatório de Julho sobre o sistema prisional salvadorenho.

Adriana Peixoto, ZAP //

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