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Brasileiros criam minicérebro com células da pessoa mais velha do mundo

Guinness World Records

Inah Canabarro Lucas é a pessoa mais velha do mundo. Um organoide foi criado como réplica do seu cérebro.

Cientistas já o fazem com outros centenários, para tentar compreender os segredos por detrás da sua longevidade.

Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) estão a desenvolver minicérebros a partir de células de idosos centenários, com o objetivo de compreender os segredos por detrás da sua notável longevidade e os genes que conferem este “superpoder”.

Os indivíduos selecionados para a investigação não apresentam qualquer tipo de doença neurodegenerativa e já ultrapassaram os 100 anos, como é o caso da freira Inah Canabarro Lucas, reconhecida como a pessoa viva mais velha do mundo desde 29 de dezembro passado, data da morte do japonês Tomiko Itooka.

A participação da pessoa mais velha do mundo no estudo é um dos elementos que faz a diferença. A brasileira já completou 116 anos e mantém-se completamente lúcida, na cidade de Porto Alegre. Recentemente, a sua incrível longevidade foi reconhecida mundialmente pela equipa do Guinness World Records.

Para além do caso de Inah, outros idosos centenários estão a ser recrutados para a investigação do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células Estaminais (CEGH-CEL) com minicérebros. Entre eles, o veterinário Milton, de 108 anos, e a nadadora Laura, de 105 anos. No total, 75 indivíduos já forneceram amostras para o estudo.

Minicérebros de supercentenários

Numa das frentes de investigação, as células presentes no sangue dos supercentenários passam por um complexo processo laboratorial onde são convertidas em células estaminais pluripotentes induzidas (iPS), que, nesta fase, têm a capacidade de se diferenciar (“transformar”) em qualquer outro tipo de célula do organismo.

Como o objetivo é criar minicérebros, a equipa reprograma as células do sangue em células nervosas. “Estamos a desenvolver organoides mais complexos [do que o habitual], capazes de mimetizar de forma mais ampla o que ocorre no cérebro dos centenários”, explica Mayana Zatz, cientista e coordenadora do CEGH-CEL, à Agência Fapesp.

Esta “massa” de células que simula um cérebro humano é composta por neurónios e microgliócitos (células capazes de reconhecer e sinalizar a presença de patogénicos no tecido cerebral, desempenhando ainda um papel fundamental no seu desenvolvimento).

“Com este modelo experimental complexo e mais sofisticado, é possível replicar vários aspetos das funções, interações e organização do cérebro. É um modelo ideal para estudar tanto questões relacionadas com o desenvolvimento cerebral como anomalias e distúrbios neurológicos [como a doença de Alzheimer], uma vez que mimetiza a arquitetura celular e os processos fisiológicos do cérebro humano”, afirma Raiane Ferreira, investigadora do CEGH-CEL.

Através da análise destes modelos, a equipa poderá obter novos conhecimentos sobre estratégias naturais de proteção do cérebro contra a doença de Alzheimer, algo com potencial para beneficiar milhares de pessoas em todo o mundo.

O genoma de quem ultrapassou os 100 anos

Noutra vertente do estudo, o grupo de investigadores da USP sequencia os genomas dos idosos centenários, permitindo a identificação de possíveis genes protetores contra doenças associadas ao envelhecimento, como a doença de Alzheimer, outras formas de demência e a perda de massa muscular.

“Sabemos que manter um estilo de vida saudável é fundamental para um envelhecimento com qualidade de vida. No entanto, também sabemos que, após os 90 anos, a genética é muito mais determinante do que o ambiente”, explica a cientista Zatz.

A diversidade genética encontrada nestes indivíduos “é algo sem precedentes no mundo, pois possuem uma variabilidade genética muito elevada devido à miscigenação [brasileira]. Isto pode permitir-nos identificar um maior número de genes protetores [do que outras investigações do género]”, destaca, referindo a importância da iniciativa. Os primeiros resultados deverão ser divulgados em breve.

Sem qualquer ligação à investigação brasileira, cientistas do Instituto Karolinska (KI), na Suécia, estão a conduzir uma experiência semelhante através da recolha de sangue de idosos. No entanto, a variabilidade genética no país é significativamente menor, o que pode comprometer a aplicabilidade dos achados noutras populações.

ZAP // CanalTech

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