Como tornar a fusão nuclear o Santo Graal da energia limpa?

LLNL National Ignition Facility

Dispositivo que permitiu fusão nuclear eficiente

A forma como os cientistas pensam sobre a fusão mudou para sempre em 2022, quando aquilo a que alguns chamaram a experiência do século demonstrou pela primeira vez que a fusão pode ser uma fonte viável de energia limpa.

A experiência, realizada no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, demonstrou a ignição: uma reação de fusão que gera mais energia do que aquela que é introduzida.

Além disso, os últimos anos foram marcados por um investimento privado de vários milhares de milhões de dólares neste domínio, principalmente nos EUA.

Como engenheiros que há décadas trabalham na ciência fundamental e na engenharia aplicada à fusão nuclear, vimos grande parte da ciência e da física da fusão atingir a maturidade nos últimos 10 anos.

Mas, como escreve o The Conversation, para tornar a fusão uma fonte viável há agora toda uma série de desafios de engenharia que têm de ser resolvidos antes de a fusão poder ser ampliada para se tornar uma fonte segura e económica de energia limpa praticamente ilimitada. Por outras palavras, é tempo de engenharia.

Construir um reator de fusão

A fusão ocorre quando dois tipos de átomos de hidrogénio, o deutério e o trítio, colidem em condições extremas.

Os dois átomos fundem-se literalmente num único átomo, aquecendo até 180 milhões de graus Fahrenheit (100 milhões de graus Celsius), 10 vezes mais quente do que o núcleo do Sol. Para que estas reações aconteçam, a infraestrutura da energia de fusão terá de suportar estas condições extremas.

Existem duas abordagens para conseguir a fusão em laboratório:

  • a fusão por confinamento inercial, que utiliza lasers potentes;
  • e a fusão por confinamento magnético, que utiliza ímanes potentes.

Enquanto a “experiência do século” utilizou a fusão por confinamento inercial, a fusão por confinamento magnético ainda não demonstrou que consegue atingir o ponto de equilíbrio na produção de energia.

O que falta fazer?

Ambas as abordagens à fusão supramencionadas partilham uma série de desafios que não serão fáceis de ultrapassar.

Por exemplo, os investigadores têm de desenvolver novos materiais que resistam a temperaturas extremas e a condições de irradiação.

Os materiais dos reatores de fusão também se tornam radioativos quando são bombardeados com partículas altamente energéticas. Os investigadores têm de conceber novos materiais que possam decair em poucos anos para níveis de radioatividade que possam ser eliminados de forma segura e mais fácil.

Produzir combustível suficiente, e fazê-lo de forma sustentável, é também um desafio importante.

Por um lado, o deutério é abundante e pode ser extraído da água comum.

No entanto, aumentar a produção de trítio, que normalmente é produzido a partir do lítio, será muito mais difícil. Um único reator de fusão precisará de centenas de gramas a um quilograma de trítio por dia para funcionar.

Atualmente, os reatores nucleares convencionais produzem trítio como subproduto da fissão, mas não conseguem fornecer o suficiente para sustentar uma frota de reatores de fusão.

Assim, os engenheiros terão de desenvolver a capacidade de produzir trítio dentro do próprio dispositivo de fusão. Isto pode implicar rodear o reator de fusão com material contendo lítio, que a reação converterá em trítio.

Para aumentar a escala da fusão inercial, os engenheiros terão de desenvolver lasers capazes de atingir repetidamente um alvo de combustível de fusão, feito de deutério e trítio congelados, várias vezes por segundo.

No entanto, nenhum laser é suficientemente potente para o fazer a essa velocidade – ainda. Os engenheiros terão também de desenvolver sistemas de controlo e algoritmos que orientem estes lasers com extrema precisão para o alvo.

Além disso, os engenheiros terão de aumentar a produção de alvos em ordens de grandeza: de algumas centenas feitas à mão todos os anos, com um preço de centenas de milhares de euros cada, para milhões que custam apenas alguns euros cada.

Para o confinamento magnético, os engenheiros de materiais terão de desenvolver métodos mais eficazes para aquecer e controlar o plasma e materiais mais resistentes ao calor e à radiação para as paredes dos reatores.

A tecnologia utilizada para aquecer e confinar o plasma até que os átomos se fundam tem de funcionar de forma fiável durante anos.

Tudo isto são desafios que, apesar de difíceis, não são intransponíveis.

E, depois disto, o financiamento

Os investimentos de empresas privadas a nível mundial aumentaram – provavelmente continuarão a ser um fator importante para fazer avançar a investigação sobre a fusão. As empresas privadas atraíram cerca de 7 mil milhões de euros em investimentos privados nos últimos cinco anos.

Várias empresas em fase de arranque estão a desenvolver diferentes tecnologias e conceções de reatores com o objetivo de acrescentar a fusão à rede elétrica nas próximas décadas. A maioria está sediada nos EUA, com algumas na Europa e na Ásia.

Foi o Departamento de Energia dos EUA que investiu cerca de 3 mil milhões de dólares para construir a Instalação Nacional de Ignição no Laboratório Nacional Lawrence Livermore em meados da década de 2000, onde a “experiência do século” teve lugar 12 anos mais tarde.

Em 2023, o Departamento de Energia anunciou um programa de quatro anos, no valor de 42 milhões de dólares, para desenvolver centros de fusão para a tecnologia. Embora esse financiamento seja importante, provavelmente não será suficiente para resolver os desafios mais importantes que ainda restam para os Estados Unidos emergirem como um líder global em energia de fusão prática.

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