Uma pesquisa inovadora em Portugal fez a análise dos dados demográficos das vítimas de violência policial e descobriu que os ciganos e os negros estão altamente sobre-representados.
Uma recente tese de doutoramento da antropóloga Ana Rita Alves, apresentada à Universidade de Coimbra em 2022, revela dados alarmantes sobre a discriminação racial na polícia em Portugal.
Intitulada “Para lá da Perda: Raça, Deslocamento e o Político”, a pesquisa revela que os ciganos têm 43 vezes mais probabilidades de serem mortos pela polícia do que indivíduos não ciganos, enquanto pessoas negras apresentam uma probabilidade 21 vezes maior comparativamente a não negros. 36% das mortes associadas a intervenções policiais entre 1996 e 2020 envolveram pessoas não brancas.
Esta investigação é pioneira em Portugal, um país onde, ao contrário dos Estados Unidos, não existia até então uma recolha sistemática de dados étnico-raciais relacionados com mortes pela polícia.
Ana Rita Alves destacou a dificuldade em obter dados precisos devido à falta de estatísticas detalhadas, optando por cruzar informações de várias fontes, incluindo relatórios da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), dados do Censos de 2021, e arquivos da organização ativista SOS Racismo, aponta o Público.
“O retrato que faço é o retrato possível. O que colegas têm feito, e que fiz no que toca à população negra, por exemplo, é um proxy entre nacionalidade e raça. Mas sabemos que este método invisibiliza as pessoas negras já nascidas em Portugal ou as pessoas brasileiras negras”, realça a autora.
No decorrer de sua análise, Alves constatou que, de 1996 a 2020, a IGAI registou 3989 casos de ofensas à integridade física, 127 ferimentos com arma de fogo, e 70 mortes causadas pela polícia. Dos incidentes mortais, 19% das vítimas mortais eram negras e 17% ciganas, evidenciando uma sobre-representação destas comunidades nas estatísticas de violência policial. Recorde-se que os dados dos Censos de 2021 estimam que 0,4% da população é de origem cigana e 0,9% é negra.
Um dos focos da pesquisa foi a região da Amadora, destacada pela sua elevada incidência de casos de violência policial. A autora menciona vários casos de mortes e agressões, sublinhando como o contexto territorial e racial influencia a ação policial.
Esta investigação não apenas confirma a discriminação racial por parte das autoridades policiais em Portugal – um problema já apontado por relatórios internacionais – mas também evidencia a urgente necessidade de Portugal começar a recolher e analisar dados étnico-raciais de forma sistemática.
Apesar da relevância dos achados, tanto a Polícia de Segurança Pública (PSP) como o Ministério da Administração Interna não se pronunciaram sobre o estudo até o momento.
Agora deve ser criada uma recolha sistemática de dados étnico-raciais relacionados com os causadores de crimes e mortes em Portugal. Deve corresponder à proporção indicada para a Polícia.