Um exército de seres humanos em condições laborais precárias planta, clique por clique, os frutos mais tarde colhidos pelas gigantes de Sillicon Valley. Antes tudo era um mar de rosas; hoje recebem menos de 1 cêntimo por tarefa.
Por trás das cortinas da recente e crescente explosão da Inteligência Artificial (IA), esconde-se uma suja realidade muito bem guardada.
As gigantes empresas de tecnologia de Silicon Valley colhem os frutos da popular tecnologia de ponta, plantados por mão-de-obra barata e explorada, em condições salarias e de trabalho precárias.
A reportagem é do The Washington Post e espelha a dura realidade de milhões de pessoas nas Filipinas. Em troca de salários muito baixos e em atraso — acompanhados de condições que ganharam o rótulo de “sweatshops digitais” —, vários filipinos estarão encarregados de rotular imagens, desenvolver algoritmos e de editar texto para assegurar o bom funcionamento e entrega de modelos de linguagem como o ChatGPT.
Ao analisar grandes conjuntos de dados, os modelos que sustentam as ferramentas IA ficam mais inteligentes, exatos e legíveis. Clique por clique, é um exército de seres humanos em condições laborais precárias que se encarrega de transformar os dados brutos das empresas em matéria-prima de inteligência artificial.
É em cibercafés e em casas adaptadas a escritórios que mais de dois milhões de filipinos são sujeitos a estas condições de trabalho.
Colaboradora do Departamento de Defesa do Governo norte-americano e de grandes empresas de tecnologia, a startup Scale AI mantém a maioria das operações na Ásia, África e América Latina. Nas Filipinas, já tem trabalhadores há seis anos, desde 2017. Através da obtenção de licenças de exploração, negociadas com negócios locais, a empresa começou a recrutar freelancers e cresceu exponencialmente desde a pandemia.
No início, era tudo um mar de rosas: os trabalhadores podiam ganhar até 200 dólares semanais em tarefas, mas o cenário tornou-se negro rapidamente.
A Scale AI emprega cerca de 10 mil pessoas no país asiático, mas segundo informação obtida pelo jornal da capital norte-americana — através de entrevistas diretas, recibos de pagamentos e mensagens internas com a empresa — não lhes paga a horas. Alguns freelancers que colaboram com a empresa até confessam: têm pagamentos atrasados e, por vezes, a remuneração não chega às suas mãos.
Há casos semelhantes noutros países
A exploração laboral não tem lugar exclusivamente nas Filipinas.
Na Venezuela e na Índia, a investigação do Washington Post também detetou atividade suspeita que afetava freelancers da Remotasks, detida pela Scale AI: quando a empresa de trabalho remoto se mudou para estes dois países, as taxas de pagamento diminuíram drasticamente — foi dos já mal vistos 10 dólares por tarefa para menos de 1 cêntimo.
As queixas são cada vez mais significativas. Sem explicação, os pagamentos agendados por PayPal não lhes chegam à conta após avaliação da qualidade do seu trabalho por parte de equipas sediadas nos EUA — apesar de o trabalho ser aprovado. Caso sejam rejeitados, os projetos têm de ser refeitos, por vezes com uma compensação de 2% do pagamento original; muitas vezes sem qualquer compensação pelo tempo perdido.
Os “escritórios” filipinos são, para o eticista de IA Dominic Ligot, autênticas “sweatshops digitais” — sem voz ou poder, estes trabalhadores são alegadamente simplesmente substituídos caso não gostem das condições.
Afinal, a máquina revolucionária que diz dispensar de mão humana não só depende dela, como a explora.