Investigadores descobriram um mecanismo celular intrigante que força as células cancerígenas a autodestruírem-se, impedindo-as de se replicar. Esta descoberta promissora poderá revolucionar o tratamento do cancro e afastar-nos da quimioterapia.
Uma equipa de cientistas da Universidade de Stanford, na Califórnia, em conjunto com a empresa de terapia genética Shenandoah Therapeutics, descreveu um mecanismo a partir do qual células cancerígenas podem religar-se entre si e ativar o processo de “morte celular programada” quase instantaneamente.
Este processo faz com que as células cancerígenas se virem contra si mesmas, revertendo assim a progressão de um tumor.
De acordo com os autores do estudo, publicado a semana passada na revista Nature, o desenvolvimento de um fármaco capaz de utilizar esta “falha no sistema” para combater o cancro ainda está longe de ser conseguido.
No entanto, os cientistas admitem estar intrigados com esta nova perspetiva sobre as células cancerígenas, que sempre se demonstraram indestrutíveis.
Jason Gestwicki, professor de química farmacêutica da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que não participou no estudo, admite ao New York Times que “esta descoberta é surpreendente”.
O cientista acrescenta que “através deste mecanismo é possível transformar algo de que uma célula cancerígena precisa em algo que a mata. É como transformar uma vitamina num veneno”.
Nas experiências realizadas, os investigadores construíram moléculas capazes de ligar duas proteínas uma à outra – uma proteína mutante, designada por BCL6, que permite que as células cancerígenas cresçam e sobrevivam; e uma outra proteína capaz de desligar os genes que lhe estão próximos.
Quando ambas as proteínas se ligam, por intermédio desta molécula, a proteína BCL6 não é produzida, o que faz com que as células cancerígenas percam os seus superpoderes de sobrevivência. Além disso, as células são ainda sinalizadas para um processo de morte celular programada.
Em pacientes com cancro, os genes relacionados com a morte celular dão desativados pela proteína BCL6. Nesta experiência, a alteração da regulação desta proteína fez com que estes genes fossem novamente ativados, reconectando as células cancerígenas e levando-as à morte.
“O BCL6 é o princípio organizador das células cancerígenas”, disse Louis Staudt, diretor do Centro de Genómica do Cancro do Instituto Nacional do Cancro, ao New York Times.
“Uma vez interrompida, a célula perde a identidade e não sabe o que fazer. É como se dissesse a si própria ‘algo errado está a acontecer aqui, o melhor é morrer‘.”
Prevê-se que esta ideia possa ser eficaz para cerca de metade de todos os tipos de cancro conhecidos, admite Gerald Crabtree, fundador da Shenandoah Therapeutics e corresponding author do estudo.
No tratamento de quimioterapia é utilizado um “cocktail de fármacos” que atacam não só as células cancerígenas, mas também as células saudáveis, levando a efeitos secundários nefastos, como náuseas e vómitos.
Neste momento, a ciência pretende descobrir tratamentos direcionados, que tenham como alvo apenas células cancerígenas. Esta nova descoberta é um exemplo de uma abordagem altamente direcionada, que não afeta as células saudáveis.
Até agora, a equipa de investigação liderada por Crabtree demonstrou que esta molécula híbrida é segura em ratinhos, ressalvando que “ainda não se trata de um fármaco, e temos ainda um longo caminho a percorrer”.