Depois de experienciarem microgravidade através de viagens espaciais com a NASA, ‘mini-cérebros’ envelhecem e permitem estudar doenças neurodegenerativas, quebrando as barreiras do espaço-tempo sem qualquer alteração genética ou farmacológica.
Em colaboração com a NASA, Alysson Muotri, da Universidade de Califórnia, está a fazer o impensável. O investigador e a agência norte-americana estão a enviar organoides cerebrais para o Espaço para que estes possam experienciar a microgravidade. Mas para quê?
Muotri concentrou o seu estudo nestes organoides cerebrais, que são, por outras palavras, cérebros em miniatura provenientes de células pluripotentes e que demonstram oscilações neurais espontâneas, ou ondas cerebrais rudimentares.
Estes organismos são ótimos para estudar o cérebro humano e o seu desenvolvimento. No entanto — e porque as nossas células envelhecem a um ritmo muito lento — o uso destes ‘mini-cérebros’ no estudo de demências não é prático, uma vez que estas surgem numa fase muito tardia.
Mas agora, Muotri juntou-se à NASA para acelerar o envelhecimento destas células, possibilitando o estudo destas condições mentais. Ao experienciarem o efeito da microgravidade no Espaço, estas células entram num processo de envelhecimento acelerado quando regressam à Terra.
Pode-se dizer que, para entender este processo e o seu efeito no cérebro, estes ‘mini-cérebros’ quebram as barreiras do espaço-tempo, sem qualquer alteração genética ou farmacológica.
Viagens com a NASA
Em entrevista ao The Scientist, o Professor de Pediatria e Medicina Celular e Molecular explica que as missões em colaboração com a NASA duram cerca de um mês.
A equipa cria os organóides inicialmente e aumenta as suas probabilidades de sobrevivência inserindo-os numa pequeno sistema, criado por bioengenharia, que os protege na viagem ao Espaço.
Neste contexto, explica o professor, “os astronautas não preservam os organoides. Eles apenas ligam o sistema num armário elétrico e retiram-no no fim da missão, colocando-o de novo na cápsula para nós o apanharmos.”
No regresso dos ‘mini-cérebros’, a equipa estuda a expressão dos genes e percebeu logo na primeira viagem que os organoides sobrevivem em ambiente de microgravidade.
“A sua forma é diferente porque a microgravidade afeta os padrões de migração das células organoides durante a formação cortical”, explica, avançando detalhes daquilo que encontrou no primeiro regresso dos ‘cerebrozinhos’.
“A expressão dos genes após a missão mostrou sinais de envelhecimento celular, entre os quais a inflamação”, disse, recordando que a segunda missão serviria para confirmar estas ocorrências, não fosse a equipa perder contacto com os organoides, impedindo a sua alimentação e provocando a sua morte.
O que é que isto significa para as doenças neurodegenerativas?
Muotri diz que a equipa poderá conseguir observar a presença de indicadores de doença como placas e entrelaçamentos “se conseguir criar os organoides no Espaço durante seis meses”, estudando a sua suscetibilidade a doenças neurodegenerativas.
“Em termos de envelhecimento celular, estimamos que um mês no espaço é equivalente a 10 a 30 anos na Terra”, disse, garantindo que a ideia de usar o Espaço como incubadora “pode ser transformadora.”
Podem estes ‘mini-cérebros’ tornar-se conscientes?
A complexidade dos organoides está a aumentar significativamente, avisou o professor.
“Investigadores estão a vascularizar os organoides para que eles cresçam e exibam mais oscilações neurais. Também estão a colocar retinas neles para que possam receber informação visual. À medida que fazemos isto, estamos cada vez mais perto de simular um cérebro humano”
O investigador não deixa de parte a hipótese de estes mini-cérebros adquirirem a sua própria consciência.
“A questão central poderá tornar-se em ‘Os organoides cerebrais atingiram um nível em que são autoconscientes e, se sim, qual é o seu estatuto moral?”