Dentes fósseis revelam o que caçavam os “portugueses” há cem mil anos

Cortesia / José Paulo Ruas

Mandíbula de rinoceronte da Gruta da Oliveira

Um estudo dirigido pelo arqueólogo João Zilhão, da Universidade de Lisboa, revela “conclusões precisas” sobre o modo de vida das populações que habitaram o que é atualmente o território português, desde há cerca de cem mil anos até há cerca de dez mil.

Há novas pistas sobre o estilo de vida dos caçadores-recolectores do Paleolítico Superior, um dos três períodos mais antigos da pré-história (posterior apenas ao Paleolítico Inferior e ao Paleolítico Médio).

A investigação foi liderada pelo Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, no sistema de jazidas arqueológicas associado à nascente do rio Almonda, perto de Torres Novas.

O estudo português, publicado na revista PNAS, analisou a composição química do esmalte dos dentes fósseis de humanos e animais provenientes das escavações.

Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado esta segunda-feira na The Proceedings of the National Academy of Sciences, revista oficial da Academia das Ciências dos Estados Unidos.

Essa análise, que já começou há 35 anos, deixou conclusões precisas sobre o modo de vida, a territorialidade e a subsistência das populações que habitaram o território português durante a última glaciação, sensivelmente entre os anos 100.000 a.C. – 10.000 a.C..

Em informação enviada ao ZAP, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa realça que este estudo representa um marco de grande importância para a Arqueologia, mostrando como, mesmo para épocas muito remotas, há atualmente técnicas científicas que permitem analisar a vida das pessoas à escala do indivíduo, não apenas à da população.

Os investigadores analisaram a composição química do esmalte dos dentes fósseis de humanos e de animais provenientes das escavações na nascente do rio Almonda, que vêm sendo realizadas desde 1988.

Para o efeito, a equipa usou uma técnica de “Ablação por laser MC-ICP-MS” —  um método de ablação sequencial, ao longo de uma superfície com milímetros de comprimento, como o é a de uma secção do esmalte de um dente humano, permitindo obter milhares de amostras.

Esta abordagem ofereceu uma resolução temporal (um ponto = igual a poucos dias) que permitiu estabelecer a correlação entre o teor em estrôncio medido e o ponto do território a que, com base no mapa de estrôncio nos solos, esse teor corresponde.

É a primeira vez que isto se faz e dá resultado“, realça a nota da FCUL.

A comparação com o teor em estrôncio dos dentes permitiu identificar o território percorrido pelo indivíduo, humano ou animal, durante o período de formação do esmalte, que, para os dentes humanos analisados, dois pré-molares e um molar, é entre os cinco e os quinze anos.

No caso dos neandertais de há cerca de 95.000 anos, a cabra-montesa era caçada no Verão, ao passo que o cavalo, o veado e o rinoceronte estavam presentes num raio de 30 quilómetros ao redor, onde puderam ser caçados ao longo de todo o ano.

Na Cultura Magdaleniana, uma das culturas mais tardias do Paleolítico Superior na Europa Ocidenta, a subsistência era obtida numa área mais restrita — os cerca de 20 quilómetros da margem direita do rio Almonda, entre a nascente e a confluência com o Tejo — e que o lugar de residência alternava sazonalmente entre estes dois pontos extremos do território.

João Zilhão, co-autor do estudo, acredita que a diferença no tamanho do território entre os neandertais do Paleolítico Médio e os magdalenenses do final do Paleolítico Superior esteja relacionada com a demografia.

“Com uma densidade populacional mais baixa, os neandertais podiam dispor de territórios mais vastos. No Magdalenense, o aumento da densidade populacional obrigou os grupos humanos a extrair a sua subsistência no interior de territórios mais pequenos, e daí o facto de passarem a ter sido explorados de forma mais intensiva as pequenas presas e o peixe de rio”, explicou o professor.

Nesta análise, além de especialistas da Universidade de Lisboa, participaram arqueólogos de Trento (Itália) e Southampton (Reino Unido).

ZAP //

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