Cientistas conseguiram transplantar tecido intestinal humano cultivado em laboratório para o corpo de ratos, testando as funções imunitárias das nossas células nos animais.
O artigo representa um avanço importante tanto na tecnologia dos organóides — células fabricadas para simular tecidos do nosso organismo — quanto no estudo das nossas doenças gastrointestinais, aumentando as chances de desenvolvermos tratamentos mais eficientes.
O intestino humano, além da função digestiva, também tem um papel importantíssimo no combate a bactérias, vírus e demais alergénios que chegam ao nosso corpo através da alimentação.
Quando essas funções não foram bem desenvolvidas ou enfrentam problemas, podemos acabar por ter doenças como a colite ulcerativa, doença de Crohn e celíaca, por exemplo, cujos números mundiais têm aumentado. Estudar essas patologias em animais tem limitações, já que os seus organismos diferem do nosso.
Pensando nisso, investigadores cultivaram bolas de tecido humano intestinal com alguns milímetros de diâmetro e implantaram-nas em ratos, próximas aos seus rins, fora do trato digestivo. Elas foram geradas a partir de células estaminais pluripotentes, que vêm de células humanas maduras da pele e do sangue e podem tornar-se qualquer tipo de tecido corporal.
Para induzir esses organóides a desenvolver um sistema imune, os cientistas alimentaram os ratos — que já eram geneticamente modificados para suprimir o próprio sistema imune, evitando a rejeição do tecido externo — com sangue umbilical humano, uma fonte de células estaminais que também pode transformar-se em qualquer tecido.
Após 20 semanas, os organóides ficaram do tamanho de ervilhas e continham 20 tipos de células imunes do corpo humano, bem semelhantes ao que encontramos nos nossos intestinos. Eles também desenvolveram folículos linfóides, ou placas de Peyer, estruturas intestinais importantes no combate a infeções que mantém os níveis equilibrados de bactérias saudáveis no sistema gastrointestinal.
Células imunes já tinham sido cultivadas por outros investigadores em laboratório, mas é a primeira vez que o transplante em animais capaz de se tornar um sistema imune humano é realizado, especialmente formando os folículos intestinais protetores.
Para testar o seu funcionamento, foram adicionadas amostras de E. coli, bactéria comum ao intestino humano, mas que pode causar doenças. Com isso, os folículos produziram células M, que sinalizam o sistema imune para responder à infeção. Trocado em miúdos, foi um sucesso.
Porque é que isto é importante?
Com o trabalho, será possível estudar melhor os mecanismos responsáveis por infeções intestinais, inflamações e alergias alimentares, sem a necessidade de fazer testes em humanos doentes.
Para o futuro, espera-se que o modelo organóide ajude a tratar defeitos digestivos genéticos, ou pacientes que perderam funções intestinais para o cancro ou doenças inflamatórias do intestino.
Saber que os organóides funcionam em roedores é promissor, pois indica que poderão também crescer em pacientes, caso sejam implantados. Entre os próximos passos, está a geração de células pluripotentes a partir do organismo do próprio paciente, fazendo tecidos personalizados que poderão ser utilizados em terapias individuais. Isto, segundo os cientistas, não está muito distante.
Os resultados do novo estudo foram publicados, em janeiro, na revista Nature Biotechnology.
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