Turismo de caça a humanos. Aquilo que parece coisa de filme aconteceu mesmo na Bósnia-Herzegovina, durante a guerra dos anos de 1990, segundo revela o documentário “Sarajevo Safari” que relata que ricos estrangeiros pagaram para matar pessoas nas ruas.
Realizado pelo esloveno Miran Zupanic, “Sarajevo Safari” caiu que nem uma bomba na Bósnia-Herzegovina e na Sérvia, recuperando velhas feridas de uma guerra que foi um dos capítulos mais negros da história da Europa.
O documentário traz testemunhos de pessoas que alegam que durante o cerco de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, havia pessoas “muito ricas” a pagarem para matar pessoas nas ruas.
Nessa época, muitos residentes foram mortos por snipers e entre estes havia estrangeiros que pagaram somas avultadas para “matar”, segundo os relatos ouvidos por Zupanic.
Estes turistas seriam oriundos de países como Canadá, EUA, Rússia e Itália.
Edin Subasic, um antigo oficial do exército da Bósnia-Herzegovina, agora reformado, conta no documentário que “não eram mercenários que eram pagos”, mas “civis estrangeiros que não tinham nada a ver com a guerra“.
“Pagavam para atingir os cidadãos de Sarajevo como franco-atiradores”, salienta Subasic, concluindo que “era um safari de pessoas”.
As Forças Armadas da Bósnia Herzegovina já anunciaram a abertura de uma investigação aos factos relatados no documentário.
“Foi nomeado um procurador interino no Departamento Especial de Crimes de Guerra” que “tomará as medidas necessárias para verificar as alegações”, refere uma nota das Forças Armadas citada pelo Sarajevo Times, portal de notícias em Inglês da Bósnia-Herzegovina.
Morreram 225 pessoas atingidas por snipers
O cerco de Sarajevo durou de 1992 a 1996 e durante esse período, morreram 225 pessoas, incluindo 60 crianças, atingidas por snipers, segundo dados do Instituto de Pesquisa de Crimes Contra a Humanidade da Universidade da cidade que são citados pelo Sarajevo Times.
O conflito começou depois de a Bósnia-Herzegovina ter declarado a independência da Jugoslávia numa posição apoiada pela comunidade muçulmana e pelos croatas. Contudo, a maioria da comunidade sérvia da Bósnia estava contra, o que levou a uma guerra civil.
Foi, nessa altura, que o exército bósnio-sérvio, liderado por Ratko Mladic, bombardeou e cercou Sarajevo durante quatro anos.
Conhecido como o “carniceiro dos Balcãs”, Mladic foi condenado, em 2021, a prisão perpétua por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
O Tribunal Internacional de Haia, na Holanda, deu como provado que Mladic “aterrorizou a população civil” de Sarajevo e que é o principal responsável pela “morte de mais de 8 mil rapazes e homens muçulmanos” na cidade de Srebrenica.
Autarca de Sarajevo apresentou queixa-crime
“Sarajevo Safari” estreou, em Setembro passado, no festival de cinema Al Jazeera Balkans DOC, provocando uma onda de reacções, entre a incredulidade e o horror. O próprio realizador confessa que conheceu a história achou que era “impensável”.
“Não pode ser verdade. E se é verdade, ninguém estaria disposto a falar disso em frente à câmara”, pensou na altura, como refere em entrevista à agência de notícias alemã Deutshe Welle (DW).
Apesar dessa descrença, conseguiu falar com várias pessoas, incluindo um esloveno que trabalhou para uma “importante agência” norte-americana, como se refere no documentário.
Contudo, não foi possível falar com fontes sérvias que recusaram dar o seu testemunho.
Sobre os factos descritos em “Sarajevo Safari”, Zupanic nota à DW que “parece que há indivíduos que pensam que estão acima da moralidade, além do bem e do mal, além de qualquer ordem humana, que nas suas acções procuram – e por momentos até alcançam – um poder absoluto comparável ao poder de Deus“.
O realizador diz também que foi alvo de reacções hostis de meios de comunicação bósnio-sérvios. “Sofri desqualificações humanas e profissionais que nunca vivi na vida. Mas aceito-as como parte do processo”, diz à DW.
Após a exibição do documentário, o presidente da Câmara de Sarajevo, Benjamina Karic, apresentou queixa-crime contra desconhecidos, bem como contra quem os ajudou e os responsáveis do exército, salientando que é o seu “dever” fazê-lo.
O realizador diz que, agora, cabe ao público “julgar” o que se conta no documentário.