Mais de 1300 instituições da Igreja são obrigadas a denunciar abusos (mas paróquias e dioceses não)

A lei obriga as instituições privadas que tenham utilidade pública a denunciar os crimes, o que inclui os centros sociais ou as misericórdias, mas exclui as paróquias e as dioceses. Há especialistas que defendem a mudança da lei.

A lei portuguesa estipula que todos os cidadãos têm o dever moral de denunciar crimes de que tenham conhecimento, mas apenas os funcionários públicos ou equiparados têm essa obrigação, incluindo os responsáveis de Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) ou instituições religiosas que tenham utilidade pública.

“Diria que as misericórdias também estarão aqui incluídas. Fora disso não há obrigação de denúncia. A Igreja, no geral, não está obrigada a denunciar. Só quando institui uma IPSS”, explica o especialista em direito público José Luís Moreira da Silva ao Observador. Nestes casos, o padre que é responsável pela IPSS é obrigado a denunciar, mas o bispo onde fica essa IPSS não tem a mesma responsabilidade.

As penas de prisão nestes casos de omissão apenas são aplicadas num cenário muito concreto — quando um agente policial comete um crime contra a humanidade, como a tortura, e o seu superior não o denuncia.

Apesar de não terem um pena determinada no Código Penal, os padres “são sujeitos ao regime disciplinar e, ao violar lei, podem incorrer em responsabilidade disciplinar” e podem também ter de pagar uma indemnização às vítimas.

Em Portugal, existem 975 centros sociais e paroquiais e 345 irmandades de Misericórdia, a que se juntam todas as outras organizações da Igreja Católica que têm o estatuto de utilidade pública, como os escuteiros ou a Comunidade Vida e Paz — ou seja, no total, há mais de 1300 instituições religiosas onde os responsáveis são abrangidos pelo dever de denúncia de crimes.

As instituições eclesiásticas que não tenham o estatuto de utilidade pública já não têm a mesma obrigação, como é o caso das paróquias e das dioceses, o isenta os bispos deste dever.

Há várias vozes que defendem que se apertem as regras para que a obrigação de denúncia seja estendida a todas as instituições. “Dentro do espírito do direito canónico, nós temos um regime privilegiado com a Igreja Católica por causa da Concordata e isso implica um dever acrescido de quem exerce funções na Igreja”, defende o advogado Pedro Cabeça, que integra a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes.

O também advogado Nuno de Sá Costa, que já foi deputado, concorda. “Não há uma obrigação legal de denunciar, mas é um dever de proteção da vítima. E é já por isso que estes crimes são públicos. Diferente é saber que as pessoas sabem de um crime e não o denunciam. Se as pessoas sabiam e nada disseram, estão a encobrir um crime. Estão a ser cúmplices. Agora, fazer prova é mais difícil”, reforça.

ZAP //

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