Secas extremas no século VI abriram caminho para o Islão

A seca extrema registada há 1500 anos na Península Arábica causou agitação política, guerra e alterações sociais, factores que contribuíram para o declínio do antigo Reino Himiarita e criaram as condições para a ascensão do Islão, religião emergente no início do século VI, revela um estudo agora divulgado.

O Reino Himiarita situava-se no sul do Iémen e os seus vestígios podem ainda hoje ser encontrados: campos em socalcos e barragens faziam parte de um sistema de irrigação sofisticado, que transformava o local semiárido e desértico em campos férteis, permitindo a prosperidade durante quase 300 anos.

Para chegar às conclusões apresentadas no estudo, publicado recentemente na Science, a equipa da Universidade de Basileia, na Suíça, analisou estalagmites da Caverna Al Hoota, em Omã.

Segundo a Phys e a Ancient Origins, a taxa de crescimento das estalagmites e a composição química das suas camadas estão diretamente relacionadas com a quantidade de precipitação. Como resultado, a forma e a composição isotópica das camadas de uma estalagmite representam um registo do clima histórico.

“Mesmo a olho nu é possível ver pela estalagmite que deve ter havido um período muito seco, que durou várias décadas”, disse Dominik Fleitmann, autor principal do estudo. O diâmetro dessas pedras é determinado pela quantidade de água com a qual têm contacto.

Assim, além de terem descoberto que caiu menos chuva durante um período mais longo, os investigadores concluíram que houve um período de seca extrema até ao início do século VI.

Contudo, explicou Fleitmann, somente com base nessa descoberta não era possível determinar com precisão “uma correlação temporal direta entre a seca e o declínio do Reino Himiarita”. Foram então analisadas outras reconstruções climáticas da região, através de fontes históricas.

“Foi um pouco como um caso de assassinato: temos um reino morto e estamos à procura do culpado. Passo a passo, as provas aproximaram-nos da resposta”, contou o investigador. Entre as fontes utilizadas estão dados relativos ao nível da água do Mar Morto e documentos que descrevem uma seca na região, datados de 520 d.C..

“A água é o recurso mais importante. É evidente que uma diminuição da precipitação e vários anos de seca extrema poderiam desestabilizar um reino semi-desértico vulnerável”, referiu Fleitmann.

Além disso, os sistemas de irrigação exigiam manutenção e reparações constantes, o que só poderia ser conseguido com recurso a dezenas de milhares de trabalhadores. A população de Himiar, assolada pela escassez de água, já não era capaz de assegurar esta manutenção.

A agitação política no território e uma guerra a norte, entre os impérios Bizantino e Sassânida, que se alastrou a Himiar, enfraqueceu ainda mais o reino, sendo este derrotado pelo Reino de Axum.

“Quando pensamos em eventos climáticos extremos, muitas vezes pensamos apenas num curto período, limitado a alguns anos”, indicou Fleitmann, acrescentando que o facto de as mudanças climáticas poderem levar à desestabilização dos estados, alterando assim o curso da história, é muitas vezes desconsiderado.

A população “estava a passar por grandes dificuldades em consequência da fome e da guerra. Isto significa que o Islão encontrou terreno fértil: as pessoas estavam à procura de uma nova esperança, algo que as pudesse unir novamente como sociedade. Foi isso que a nova religião ofereceu”, afirmou o investigador.

Embora tenha frisado que a seca, por si só, não provocou diretamente a ascensão do Islão, foi “importante no contexto da agitação no mundo árabe no século VI”.

Taísa Pagno //

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