O aumento dos gases com efeito de estufa fez com que o Lago Palcacocha aumentasse de volume, deixando a área em risco de uma inundação devastadora.
No primeiro litígio por danos climáticos, juízes da Alemanha visitaram o Peru para determinar o nível de danos causados pelo maior emissor europeu, num caso que pode constituir um precedente para ações judiciais sobre o aquecimento global causado pelo Homem, segundo o The Guardian.
Juízes e peritos nomeados pelo tribunal visitaram esta semana um lago glacial na Cordilheira Blanca, no Peru, para determinar se o maior fornecedor de eletricidade da Alemanha, a RWE, é parcialmente responsável pelo aumento dos gases com efeito de estufa, que podem desencadear uma inundação devastadora.
O Lago Palcacocha aumentou 34 vezes em volume, nas últimas cinco décadas. Um estudo revisto por pares associa o derretimento acelerado dos glaciares causado pelo aquecimento global ao risco substancial de uma inundação, que pode desencadear um deslizamento mortal de terras, inundando a cidade de Huaraz.
Em 2017, juízes em Hamm, na Alemanha, fizeram história jurídica ao aceitarem um caso apresentado por Saúl Luciano Lliuya, um agricultor, contra a RWE, que pedia 17.000 euros pelos custos de prevenção de danos causados por uma inundação potencialmente devastadora do lago.
“Como guia turístico de montanha consegui perceber desde o cume como o derretimento glacial está a acontecer mesmo à frente dos nossos olhos“, realçou Lliuya, de 41 anos.
A casa de Lliuya, no bairro Nueva Nueva Florida, no Huaraz, situa-se no caminho das cheias, onde cerca de 50.000 pessoas estariam ameaçadas.
As autoridades locais estabeleceram um sistema de alerta precoce, que ativaria sirenes no caso de o lago começar a transbordar.
“É uma possibilidade que um grande pedaço de rocha com gelo caia no lago. Estamos a falar da possibilidade de milhões de metros cúbicos [de água a transbordar]”, sublinhou Martin Mergili, especialista em geomorfologia da Universidade de Graz, na Áustria.
Mergili refere que embora o Lago Palcacocha seja um exemplo de alto risco, está longe de ser o único na cadeia montanhosa dos Andes, que alberga quase todos os glaciares tropicais do mundo, a maior parte dos quais se encontram no Peru.
“Nos últimos 10 anos, tivemos várias inundações glaciares que foram desencadeadas por paredes do tamanho de um glaciar”, acrescentou.
O tribunal alemão já concordou que a RWE seria responsável pelos danos se fosse possível provar que o glaciar representava um risco de inundação, e que a rutura climática o tinha provocado.
“Tanto quanto sei, este é o primeiro caso a nível mundial em que os juízes viajam de um país, onde se encontra a jurisdição, para o país onde se verificam os danos, onde estes estão efetivamente relacionados com as alterações climáticas”, indicou Roda Verheyen, advogada ambiental que representa Lliuya.
“Esta não é a primeira vez que se utiliza a ciência climática”, notou Petra Minnerop, professora de Direito Internacional na Universidade de Durham. “No entanto, este seria um dos primeiros casos que pode dar uso a estudos de atribuição”.
Os estudos de atribuição procuram testar se — e em que medida — a rutura climática pode ser responsável por eventos climáticos extremos, tais como inundações extremas, secas, calor excessivo ou furacões.
O caso pode ter implicações para as empresas de combustíveis fósseis. A RWE está a ser processada por ter contribuído para 0,47% das emissões globais históricas. Empresas como a BP e a Shell podem também enfrentar casos semelhantes no futuro.
“Este é o único caso no mundo, até hoje, que faz com que os emissores privados de gases com efeito de estufa assumam a responsabilidade pelos impactos das alterações climáticas num país diferente”, salientou Verheyen.