Progressista e negra, a nomeação de Ketanji Brown Jackson vai quebrar o molde dos juízes do Supremo dos EUA

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Formada em Harvard e com um passado como advogada no sistema de apoio judiciário, Ketanji Brown Jackson é uma nomeada que quebra o molde dos juízes do Supremo dos Estados Unidos em vários aspectos.

Com a saída anunciada de Stephen Breyer do Supremo dos EUA, Joe Biden pôde cumprir a promessa eleitoral de nomear a primeira mulher negra para o mais alto tribunal norte-americano.

Aos 51 anos, Ketanji Brown Jackson foi a escolhida pelo Presidente dos Estados Unidos e o seu voto de confirmação está prestes a ser aprovado pelo Senado controlado pelos Democratas.

Nascida em Washington mas criada em Miami, os pais de Jackson eram professores, com o pai eventualmente a formar-se em Direito e a tornar-se o advogado da escola e a mãe a ascender até ser directora da escola. A juíza já disse que uma das suas memórias mais antigas relacionadas com a carreira que acabaria por escolher é sentar-se junto ao pai a pintar livros enquanto este estudava a lei para o seu curso.

Filho de peixe sabe nadar, e para além do pai, a família de Ketanji tinha ainda mais ligações à Justiça — com um tio que era chefe de polícia em Miami, outro que era um detective de crimes sexuais e um irmão mais novo que era um polícia à paisana em Baltimore. Houve ainda um outro tio que foi condenado a prisão perpétua por crimes não-violentos relacionados com a droga, que a juíza ajudou mais tarde a libertar.

No secundário, Jackson foi uma campeã nacional de oratória, antes de se formar com honras em Harvard, onde já mostrava um talento para a mediação. Nina Coleman Simmons, advogada que partilhou o quarto com Jackson, revela ao Washington Post que a colega fazia a ponte entre os responsáveis e os alunos negros que protestavam em nome da igualdade, como num caso em que um colega hasteou na janela uma bandeira da Confederação — um símbolo associado à supremacia branca.

“‘Eles não nos vão ouvir se estivermos a gritar com eles’, ela dizia. Ela estava sempre a perguntar, ‘quais são os factos que podemos usar para os persuadir?“, recorda Simmons. “A Ketanji era uma advogada antes de ir para a Faculdade de Direito, pensava sempre em cada lado de uma questão”, acrescenta Lisa Fairfax, outra antiga colega de escola da juíza.

Na Faculdade de Direito de Harvard fez ainda estágios nos gabinetes de três juízes federais, incluindo Stephen Breyer, que vai agora substituir no Supremo. Foi também na Universidade que conheceu o seu marido, o cirurgião Patrick Jackson, com quem tem duas filhas.

As raízes no sistema de apoio judiciário

Na sua intervenção quando Biden anunciou a escolha, Jackson sublinhou que partilha o aniversário com Constance Baker Motley, a primeira mulher negra a ser juíza federal nos EUA, e prometeu ter partilhar também o compromisso com a igualdade perante a lei, afimando que “espera” que a sua “vida e carreira” inspirem “gerações futuras de americanos”, carreira essa que desafia o percurso habitual dos juízes do Supremo.

Actualmente, quatro membros do tribunal foram, a certa altura, procuradores. Jackson distingue-se por nunca ter trabalhado como procuradora ou no ramo do Direito Societário e será também a primeira juíza do Supremo que defendeu réus no sistema de apoio judiciário — ou seja, que não tinham condições para pagar um advogado — desde Thurgood Marshall, o primeiro juiz negro do Supremo, nomeado em 1967.

A nomeada também serviu como vice-presidente na Comissão de Condenação dos EUA, tendo já aí dado um cheirinho das suas posições progressistas, especialmente na defesa do alívio das penas impostas aos crimes relacionados com o crack, que eram 100 vezes mais severas do que as aplicadas nos casos da cocaína em pó, uma discriminação que afecta desproporcionalmente a população negra.

Em 2012, Jackson foi nomeada para um tribunal federal de julgamentos, assumindo o cargo em 2013 e tendo ganho uma reputação pela emissão de mais de 500 opiniões — algumas mais polémicas do que outras.

Uma das mais notórias foi uma em que ordenou a Don McGahn, conselheiro de Trump, que aparecesse no Comité Judiciário da Câmara dos Representantes para testemunhar sobre a investigação às suspeitas de interferência russa nas eleições presidenciais de 2016. “Os Presidentes não são reis. Isto significa que não têm súbditos que lhes devem lealdade, cujo destino podem controlar”, escreveu a juíza no documento com 119 páginas.

No ano passado, Jackson foi nomeada por Biden para o Tribunal do Circuito de Washington D.C., onde a oposição Republicana já deu os primeiros sinais de vida, com os Senadores Josh Hawley a questioná-la sobre se considera o sistema judicial norte-americano sistematicamente racista e Ted Cruz a perguntar-lhe sobre a decisão de representar clientes num caso que envolvia prisioneiros em Guantánamo Bay.

A oposição Republicana

Já nas audições mais recentes para a nomeação para o Supremo, a juíza também não tem sido poupada, com alguns Senadores Republicanos a puxarem para a conversa algumas das guerras culturais que estão na agenda do partido, pedindo-lhe que defina o que é uma mulher ou se acredita que os bebés são racistas.

A questão mais polémica foi trazida à discussão por Josh Hawley, que acusou a juíza de aplicar sentenças leves e abaixo das guias federais em casos de pornografia infantil. No entanto, a aplicação de penas abaixo das diretrizes federais nestes casos é uma prática recorrente e o próprio Senador Hawley já votou a favor de três outros juízes com históricos de decisões semelhantes para cargos federais, nota a ABC.

Audições no Senado à parte, Ketanji Brown Jackson já era popular entre o povo norte-americano e os inquéritos dos Senadores parecem ter aumentado a visão favorável da população em relação à nomeada.

Antes das audições, uma sondagem da Gallup dava uma taxa de aprovação de 58% à juíza e, depois das entrevistas com os Senadores, um inquérito da Marquette Law School notou uma subida de 64% para 72% no apoio dos inquiridos. Estes dados tornam-na na candidata para o Supremo mais popular desde John Roberts, em 2005.

A escolha de Biden agradou à ala mais progressista do seu partido, com muitos a mostrarem-se surpreendidos e a esperarem que o chefe de Estado optasse por uma candidata mais conservadora e que apenas usasse uma mulher negra como uma forma de piscar o olho a este eleitorado.

“Ao escolher a juíza Jackson, o Presidente Biden colocou alguém no Tribunal que pode ser uma voz progressista necessária durante anos ou décadas futuras”, escreve Erwin Chemerinsky no site progressista The American Prospect.

O futuro do Supremo

Mesmo com a nomeação de Ketanji Brown Jackson, cuja aprovação já se antecipa dado o controlo Democrata do Senado, as contas do Supremo vão ficar iguais, com 6 juízes conservadores e 3 liberais.

A escolha pela saída de Breyer e entrada de Jackson foi uma decisão estratégica a longo prazo, com Biden a escolher uma mulher jovem para servir no cargo vitalício enquanto ainda tem controlo do Senado, que se arrisca a perder nas intercalares de Novembro, e evitar assim que uma possível nomeação futura seja bloqueada ou caia nas mãos dos Republicanos.

Entre 1960 e 2020, os Presidentes Republicanos estiveram no poder 32 anos contra 28 dos Democratas, mas nomearam 15 juízes para o Supremo contra apenas oito escolhas feitas pelos Democratas.

Donald Trump escolheu três juízes em apenas quatro anos de mandato, quase tantos como os quatro apontados por Jimmy Carter, Bill Clinton e Barack Obama juntos.

Apesar de não ser uma nomeação decisiva, a escolha de Biden ajuda assim a segurar a presença liberal no Supremo e faz história ao ser a primeira mulher negra no cargo.

Adriana Peixoto, ZAP //

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4 Comments

  1. Os Democratas são pessoas doentes por apoiar o abuso de bebês e crianças! Apoiar a pedofilia e o aborto tardio não é bom. É desumano!
    É inacreditável como há pessoas a votarem a favor disto.

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