Erros graves de juízes obrigam a repetir julgamento para remodelar esquadras

Começa esta segunda-feira o segundo julgamento do ex-diretor-geral do Ministério da Administração Interna João Correia.

Condenado a sete anos de cadeia por entregar empreitadas a amigos e a outros maçons, João Correia viu o tribunal anular sentença de primeira instância.

Erros graves detetados na sentença que condenou o ex-diretor-geral do Ministério da Administração Interna, João Alberto Correia, a sete anos de cadeia, vão obrigar a repetir o julgamento, segundo noticia o Público.

Em causa estão ajustes diretos e fracionamento de empreitadas para construir ou remodelar esquadras, postos da GNR e edifícios dos antigos governos civis.

Entre 2011 e 2014, este arquiteto doutorado pela Universidade de Salford, no Reino Unido, terá manipulado dezenas de concursos destinados à construção ou reparação de esquadras, postos da GNR e edifícios dos antigos governos civis, por forma a entregar as respetivas empreitadas a amigos e a irmãos seus da maçonaria.

Há quatro anos um coletivo de juízes liderado por Filipa Valentim considerou João Correia culpado de vários crimes de participação económica em negócio, abuso de poder e falsificação de documentos, mas ilibou-o das acusações de corrupção que o visavam.

Mesmo assim, exigiu-lhe que indemnizasse o Estado em quase 586 mil euros, por conta dos prejuízos causados ao erário público pela sua conduta.

Os restantes onze arguidos do caso foram condenados a penas suspensas entre um e cinco anos, e alguns deles ainda ao pagamento de indemnizações na ordem das centenas de milhares de euros.

Porém, na sequência de vários recursos, o Tribunal da Relação de Lisboa reanalisou o acórdão de Filipa Valentim e dos colegas.

E encontrou erros de tal forma graves que mandou repetir o julgamento, que começa esta segunda feira.

Dizem os desembargadores Maria Perquilhas e Rui Teixeira que são tantas as nulidades e tal a sua gravidade que não existe outra solução senão essa.

“É imperioso proceder ao reenvio dos autos para novo julgamento, o qual, atenta a gravidade dos vícios detetados, incidirá sobre a totalidade do objeto do processo”, explicam no seu acórdão de mais de mil páginas, datado do Verão passado.

É impossível dizer neste momento se a reapreciação dos factos em causa beneficiará ou prejudicará os arguidos.

Aquilo que diz o Tribunal da Relação é que há contradições na sentença de primeira instância, já que em relação a determinadas situações “se afirma uma coisa e o seu contrário”.

Em alguns casos, trata-se de contradições consideradas flagrantes, como nas obras levadas a cabo no antigo Governo Civil de Santarém.

“O tribunal considera provada e não provada a decisão de João Correia de fracionar os trabalhos a realizar no edifício, com o intuito de obter benefícios pecuniários indevidos”.

Por outro lado, os juízes de primeira instância são acusados de não terem fundamentado em condições as conclusões a que chegaram em determinadas partes do processo – o que, além de violar o princípio da transparência, “traduz uma falta total de cumprimento” dos seus deveres profissionais.

Uma falha que se revela particularmente preocupante pelo facto de estas condenações terem assentado em parte na chamada prova indireta, método ao qual recorrem muitas vezes os magistrados nos crimes de colarinho branco quando os arguidos não confessam os delitos que cometeram.

Aos juízes não está vedado condenarem-nos com base na sua convicção, na falta de provas diretas, mas isso obriga-os a explicar de forma rigorosa o caminho que seguiram nas suas deduções.

“Factos existem que foram considerados provados sem que o tribunal tenha justificado por que razão se convenceu que eles ocorreram do modo como considerou provados”, observam os desembargadores.

Há também situações em que os desembargadores não entendem como é que os colegas de primeira instância calcularam os montantes alegadamente inflacionados pelos suspeitos em determinadas empreitadas, relativamente ao valor de mercado.

Não se percebe como alcança o tribunal o valor total (…), dado que tal resultado não corresponde ao resultado da operação aritmética que parece estar subjacente ao mesmo e que é possível realizar com base no conteúdo do facto em análise”.

O Tribunal da Relação identificou na sentença inicial mais erros além dos indicados pelos arguidos, muito embora não tenha dado razão a todas as suas reclamações.

Contestada no primeiro julgamento pelos arguidos, a perícia encomendada pelo Ministério Público ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil promete voltar a ser um ponto quente de discussão.

Até porque, embora os juízes iniciais tenham considerado este relatório válido, não seguiram as suas indicações na íntegra, por entenderem que nalguns pontos, nomeadamente no que respeita ao cálculo dos prejuízos para o Estado, a opinião dos peritos, que não terão tido tempo suficiente para levar a cabo a sua tarefa, se revelou “genérica e abstrata, sem qualquer base justificativa“.

João Correia e outros alegados cúmplices pertenciam à maçonaria, embora nem todos à mesma loja.

Segundo o Ministério Público, isso justifica os favores que lhes foi fazendo enquanto esteve à frente da Direção-Geral de Infraestruturas e Equipamentos. Entre 2011 e 2014, Miguel Macedo era ministro da Administração Interna. Vários dos arguidos integravam ainda um grupo de almoçaradas chamado Os Pingas.

O advogado Rogério Alves, que defende o arquiteto neste processo, faz votos para que os novos juízes que vão outra vez proceder a este julgamento não se deixem impressionar pela panóplia de crimes que a acusação assaca aos arguidos.

Só a João Correia foram imputados 32 crimes de corrupção passiva e quase um milhão de euros de prejuízos causados ao Estado.

“No limite podemos estar a falar de infrações ao direito administrativo”, no que se refere aos ajustes diretos, admite o seu representante legal, descartando a prática de qualquer crime.

“Estava-se num contexto de urgência, devido ao estado em que se encontravam os edifícios que vieram a ser intervencionados, e não se verificaram problemas em nenhuma das obras efetuadas”, conclui.

ZAP //

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