Gracie Gold é uma das protagonistas de um documentário que, provavelmente, já está a ajudar muitos atletas: “Ninguém quer falar sobre o falhanço nos Jogos Olímpicos”.
Pressão para atingir o ouro. Pressão dos treinadores. Pressão dos próprios atletas. Exaustão. Fracasso. Desilusão. Depressão. Anonimato. “Há muitos documentários que se focam na nutrição, no treino, na entrega… Mas até agora nenhum documentário se centrou realmente no ponto fraco, no lado negro. E alguns destes verdadeiros pontos complicados que enfrentamos são, de certa forma, o que este documentário aprofunda”.
As palavras são de Gracie Gold, uma das melhores praticantes de patinagem artística sobre o gelo e que venceu uma medalha de bronze em 2014, nos Jogos Olímpicos em Sochi, Rússia. O documentário em causa chama-se ‘O peso do ouro’, ou no seu original The Weight of Gold.
A produção da HBO destaca, tal como Gracie disse, os atletas olímpicos que têm problemas relacionados com a saúde mental. Foi lançado neste verão e, agora, em entrevista ao canal oficial dos Jogos Olímpicos, a norte-americana abordou esse documentário e deixou alguns alertas.
“Existem Jogos Olímpicos para muitas modalidades, mas não existe uma medalha olímpica para quem sofre em silêncio durante mais tempo. Encorajo-vos, atletas, a falar. Porque a vossa luta é válida. Vocês são válidos. Vocês são importantes. Por isso, encorajo-vos a falar para viverem a vossa vida livremente e aproveitarem o melhor que há”, disse Gracie.
Quem fala sobre o fracasso olímpico?
Gracie Gold abandonou o desporto em 2017. Na altura justificou essa decisão com problemas relacionados com a mente. A partir daí, assumiu uma missão pessoal: falar com atletas sobre saúde mental. E acabou por voltar ao desporto, um ano depois. A patinadora, falando novamente diretamente para atletas, diz que “as lutas fazem parte da tua carreira mas não tens de lutar sozinho”.
“Gostaria de ter partilhado a minha história mais cedo, ou gostaria de ter percebido mais cedo o que estava a acontecer. No início eu não sabia se queria admitir publicamente e falar sobre os meus problemas, por causa do estigma que rodeia este assunto. Eu não queria sentir que era a fraca“, analisa a medalhada olímpica pelos Estados Unidos da América.
A jovem patinadora, de 25 anos, também deixou uma espécie de recado à comunicação social: “Todos nós tivemos, ou temos, a nossa carreira e todos nós podemos falar sobre este problema comum. Ou podemos falar sobre este problema não ser falado. A comunicação social só descreve os atletas olímpicos como «Uau! Espetacular! Que bom para vocês!». E ficam-se por aí.”
“É que toda a gente quer falar sobre os Jogos Olímpicos mas ninguém quer falar sobre o que acontece depois dos Jogos Olímpicos. Ninguém quer falar sobre o falhanço nos Jogos Olímpicos, sobre aqueles casos em que os Jogos Olímpicos não correram de acordo com os planos”, lembra.
A jovem patinadora, de 25 anos, também deixou uma espécie de recado à comunicação social: “Todos nós tivemos, ou temos, a nossa carreira e todos nós podemos falar sobre este problema comum. Ou podemos falar sobre este problema não ser falado. A comunicação social só descreve os atletas olímpicos como «Uau! Espetacular! Que bom para vocês!». E ficam-se por aí.”
“É que toda a gente quer falar sobre os Jogos Olímpicos mas ninguém quer falar sobre o que acontece depois dos Jogos Olímpicos. Ninguém quer falar sobre o falhanço nos Jogos Olímpicos, sobre aqueles casos em que os Jogos Olímpicos não correram de acordo com os planos”, lembra.
Phelps, White, Jones…
Vários atletas olímpicos famosos contribuem para este documentário: o triplo campeão olímpico do snowboard, Shaun White, a antiga especialista no atletismo, Lolo Jones, e Bode Miller, vencedor de seis medalhas olímpicas no esqui alpino, são alguns dos exemplos. E o narrador do documentário é o atleta com mais medalhas em Jogos Olímpicos: Michael Phelps. Todos eles com problemas de saúde mental.
Gracie Gold destaca a importância e o exemplo de Phelps: “Para muitos de nós, o Michael Phelps é um super herói. Ele é um super herói da vida real por causa da sua força física, por causa do quão incrível ele é, por causa do que alcançou, por exemplo, nos Jogos Olímpicos… E continua com problemas de saúde mental (já falou publicamente sobre o assunto). E isso não é um comportamento, não é um reflexo do teu caráter, da tua força”.
Coronavírus e os recursos disponíveis
A saúde mental nunca foi tão comentada como em 2020. O novo coronavírus alterou a vida de milhões de pessoas, incluindo de Gracie, que no entanto continua a encontrar força e paixão por aquilo que faz: “Estou cansada das aulas online. Não há nada para fazer, não há pessoas para ver, e eu estava a começar a enlouquecer. Não consigo controlar nada, neste assunto. Resta-me cumprir todos os protocolos para evitar a propagação do vírus e resta-me tentar fazer coisas produtivas, mesmo que essas coisas sejam pequenas”.
A atleta deixou ainda um desejo para um futuro que, espera, será próximo: “Vou ficar muito contente quando, um dia, os recursos disponíveis para os atletas que, de certa forma, partem o cérebro forem os mesmos recursos disponíveis para os atletas que partem o tornozelo. Quando estes dois cenários forem iguais, aí sentirei que realmente ultrapassámos este obstáculo”.