Mais de 2.700 crianças foram vítimas de abusos sexuais nos últimos três anos e já em 2019 dezenas de crianças e jovens pediram ajuda por causa de um crime que acontece sobretudo na família e deixa marcas irreversíveis.
A 18 de novembro assinala-se o Dia Europeu para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual, uma data criada pelo Conselho da Europa para lembrar que, em média, uma em cada cinco crianças na Europa são vítimas de alguma forma de violência ou exploração sexual.
Os dados estatísticos do Ministério da Justiça mostram que nos últimos três anos, entre 2016 e 2018, foram registados 2.752 crimes de abuso sexual de menores pelas autoridades policiais portuguesas, tendo havido mais de 5 mil processos que deram entrada na Polícia Judiciária.
Já durante este ano várias dezenas de crianças e jovens precisaram do apoio da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e do Instituto de Apoio à Criança por causa deste tipo de crime.
A APAV tem desde 2016 em funcionamento o projeto CARE, uma rede de apoio cofinanciada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que apoia crianças e jovens vítimas de abuso sexual de forma gratuita, referenciados pela Polícia Judiciária, aos quais dão ajuda psicológica, jurídica ou até para lidar com as diligencias processuais.
Em declarações à agência Lusa, a responsável pela rede adiantou que o número de pessoas que aceitam a ajuda da APAV tem vindo a aumentar desde 2016 e que em 2019 deverá continuar “a curva ascendente”.
De acordo com Carla Ferreira, receberam 131 novos pedidos de ajuda até maio, mas esse número já mais do que duplicou, o que leva a responsável a afirmar que este ano irá terminar com um número superior de casos aos registados em 2018.
Os dados da rede CARE mostram que no ano passado foram apoiadas 304 crianças e jovens, um número acima das 251 registadas em 2017 e das 195 que pediram ajuda em 2016.
“Em maio já tínhamos apoiado 881 crianças, o que dá uma média de 22 novas situações por mês”, revelou, acrescentando que se trata do total dos três anos e que esse número deverá ultrapassar os mil casos até ao final do ano.
Carla Ferreira apontou que “a maioria dos crimes são praticados no seio da família”, já que em 54% dos casos acompanhados os abusos sexuais ocorreram dentro do seio familiar.
“Na melhor das hipóteses, estamos a falar de 10% de casos que são praticados por pessoas completamente desconhecidas da vítima, o que significa que os restantes 90% são praticados por pessoas que a vítima conhece ou com quem a vítima contacta regularmente”, apontou Carla Ferreira.
O psicólogo clínico e secretário-geral do Instituto de Apoio à Criança, que é também responsável pela linha telefónica SOS Criança, específica para denúncia de abusos sexuais, também sustentou que a maior parte dos casos acontece “dentro das quatro paredes”, havendo casos de crianças abusadas por pais, padrastos ou amigos da família.
De acordo com Manuel Coutinho, até ao dia 15 de novembro, a linha SOS Criança tinha recebido 22 pedidos de ajuda por suspeitas de abuso sexual e dois por pornografia infantil, sendo que relativamente aos abusos sexuais, o IAC recebeu 170 contactos desde 2014.
O responsável apontou que o abuso sexual de crianças “é uma situação miserável”, que deixa “marcas irreversíveis no desenvolvimento harmonioso da criança”, podendo deixar marcas que vão desde o medo, insegurança, insónias ou terrores noturnos, a casos de insucesso escolar, perda de autoestima, ou verem-se como os responsáveis pela situação.
Manuel Coutinho defendeu que é importante não só prestar apoio a estas crianças e jovens, como mostrar que os abusadores são devidamente julgados e condenados, de maneira a que a vítima perceba que o agressor foi responsabilizado pelo crime.
Entende, por isso, que o legislador deveria ter mais atenção nestes casos e aplicar penas efetivas, sustentando que uma “pena suspensa não repara de maneira nenhuma aquilo que foi feito a uma criança vítima”.
Segundo os dados estatísticos do Ministério da Justiça, 822 pessoas foram condenadas nos últimos três anos por abuso sexual de menores, a maior parte dos quais (49%) a pena suspensa com regime de prova, tendo sido aplicada pena efetiva em 31% dos casos.
// Lusa