Sociedade mantém reminiscências da ditadura, diz socióloga

Dabe Murphy / Flickr

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A socióloga Isabel Dias considera que a sociedade portuguesa mantém reminiscências da ditadura, 40 anos depois do 25 de Abril, continuando a ter conceitos sexuais conservadores e a discriminar as mulheres sobretudo nos postos de chefia.

“Temos patamares onde evoluímos mais rapidamente, como o divórcio, [mas] temos outros nichos de maior conservadorismo”, afirmou a socióloga em entrevista à agência Lusa, a propósito do 40º aniversário da Revolução de Abril.

Para Isabel Dias, estes “nichos de resistência à modernidade e à mudança social” devem-se a “um passado de quase 50 anos de ditadura em Portugal”, que deixa “reminiscências importantes”.

Apesar de terem passado quatro décadas, “não nos despimos completamente de 50 anos de ditadura”, sobretudo no que diz respeito às mulheres, porque se passou muito tempo “com todos os valores voltados para o conservadorismo, para a repressão, o confinamento na esfera doméstica, o afastamento do mercado de trabalho e da formação escolar avançada”, explicou a socióloga.

Para perceber como o conservadorismo ainda está presente entre os portugueses, Isabel Dias lembrou que ainda se encontra “na Justiça algumas representações da mulher com um papel mais ligado à família” e que a legalização do aborto só foi conseguida recentemente.

A legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez “foi um dos domínios em que houve mais resistência à mudança social e em que mais se fizeram sentir vozes conservadoras relativamente a questões de família”, considerou a socióloga, admitindo que esta resistência foi exponenciada pelo peso de instituições como a Igreja Católica.

Novo conceito de família

Ainda assim, Isabel Dias considera que o 25 de Abril revolucionou a sociedade portuguesa, desde logo porque criou um novo conceito de família.

“Antes do 25 de Abril, havia alguns casais separados de facto, mas não legalmente. Depois da revisão da Concordata [com a Igreja Católica], em 1976, assistimos a um boom de divórcios, que até são designados na literatura pelos velhos divorciados”, disse a socióloga, explicando que “houve uma alteração na própria noção de casamento”.

De acordo com a investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras do Porto, o casamento deixou de ser encarado como um sacramento, ou seja, como uma união para toda a vida, e passou a ser encarado como um contrato e, portanto, passível de ser dissolvido.

E com essa possibilidade, referiu, “os indivíduos deixaram de encarar a família como uma instituição a preservar a todo o custo – e portanto sacrificando o seu interesse pessoal, as suas necessidades e até o seu desejo de realização como pessoas – para [passar] a felicidade e o interesse pessoal a sobrepor-se”.

Entre as mudanças de mentalidade apontadas por Isabel Dias destacam-se a necessidade de passar a existir um sistema de segurança social e a queda da figura de chefe de família.

“A mulher estava confinada ao espaço doméstico, ao seu papel expressivo, afetivo e de cuidadora da casa, do marido, dos membros dependentes – filhos e idosos – e isso teve repercussões no próprio sistema social, de prestação de cuidados, porque enquanto a mulher esteve em casa não foi necessário termos Segurança Social”, referiu, sublinhando que, até ao 25 de Abril, “a mulher era uma espécie de Estado-providência doméstico”.

Por outro lado, defendeu Isabel Dias, a figura de chefe de família moldava toda a sociedade.

“A mulher não existia enquanto objeto jurídico, quem respondia pela mulher era o homem”, que tinha “poder absoluto sobre a mulher, os filhos e os seus destinos”, acrescentou.

/Lusa

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