O livro “Viagens de Gulliver” é considerado como um dos melhores romances satíricos de todos os tempos, embora o seu autor, Jonathan Swift, tenha afirmado que escreveu o livro “para irritar o mundo em vez de diverti-lo”.
Os políticos da época estavam de facto aborrecidos por serem ridicularizados nas suas páginas. Porém, parece que as descrições fisiológicas do autor também se mostraram um pouco impertinentes, de acordo com um novo artigo no publicado a 4 de janeiro no Journal of Physiological Sciences.
Publicado pela primeira vez em 1726, as “Viagens de Gulliver” relata as aventuras fictícias de Lemuel Gulliver, “primeiro um cirurgião e depois um capitão de vários navios“, de acordo com o subtítulo do livro.
Durante as suas viagens, Gulliver encontra várias espécies incomuns: o minúsculo povo de Lilliput; os gigantes de Brobdingnag; cavalos falantes chamados Houyhnhnms que governam os Yahoos deformados e rudes; e os habitantes da ilha voadora de Laputa, que se dedicam ao estudo da ciência e das artes, mas nunca descobriram como aplicar o conhecimento na prática.
Além das suas qualidades literárias, as “Viagens de Gulliver” proporcionaram ampla preparação para especialistas com olhar aguçado, já que Swift não resistiu a entrar em detalhes sobre a fisiologia das suas espécies fictícias.
Toshio Kuroki, assessor especial da Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência e professor emérito da Universidade de Tóquio e da Universidade Gifu, leu as “Viagens de Gulliver” pela primeira vez com o seu clube do livro. Tendo passado uma longa e prestigiada carreira conduzindo estudos sobre o cancro, Kuroki notou imediatamente um erro da parte de Swift ao estimar as necessidades energéticas de Gulliver em comparação com as dos diminutos liliputianos.
Isso estimulou-o a examinar mais de perto as passagens semelhantes no livro e a fazer a sua própria análise fisiológica comparativa das criaturas fictícias encontradas por Gulliver.
A personagem é descrita como tendo menos de 1,82 metros de altura. Uma pesquisa dos anos 2000 sobre a altura na Inglaterra descobriu que os homens no século XVIII tinham, em média, entre 1,52 e 1,82 metros – por isso, isto parece bater certo.
Aparentemente, Swift “adotou a base de 12 ao imaginar os povos fictícios”, escreveu Kuroki. Segundo o texto de Swift, os liliputianos tinham 1/12 do tamanho de Gulliver, enquanto os Brobdingnagians tinham 12 vezes o tamanho dele. Isso faria com que os liliputianos tivessem cerca de 0,15 metros e os Brobdingnagians 20,42 metros. Ambas as espécies fictícias são descritas como tendo corpos semelhantes aos humanos.
Swift assumir que o peso seria proporcional ao cubo da altura e usou isto para estimar as necessidades energéticas relativas das três espécies.
Mas Kuroki cita a regra de Quetelet (1869), afirmando que o peso é proporcional ao quadrado da altura. Era uma espécie de índice de massa corporal do século XIX e Kuroki apresentou um IMC médio de 23 para a sua análise. Isto colocaria o peso médio de Lilliputian em 0,45 quilogramas, Gulliver em 67 quilogramas e os Brobdingnagians em 9684 quilogramas. “Os tamanhos dos liliputianos e brobdingnagianos são próximos aos dos ratos e dos grandes dinossauros, respetivamente”, escreveu Kuroki.
Enquanto Swift estimava que Gulliver precisaria de consumir a necessidade diária de comida de 1.724 liliputianos, a análise de Kuroki mostrou que a comida para apenas 42 das minúsculas criaturas seria suficiente para as necessidades de energia do aventureiro.
Já quanto aos gigantescos Brobdingnagianos, Gulliver só precisaria da comida consumida por 1/42 dessas criaturas. Com base nisso, “a exigência de alimentos de Gulliver no texto original deve ser corrigida depois de quase três séculos”.
Kuroki também estimou os batimentos cardíacos comparativos, as taxas de respiração, a expetativa de vida e a pressão sanguínea para as três espécies.
Mas Swift saiu-se um pouco melhor no tratamento da astronomia nas “Viagens de Gulliver”. Em “A Viagem a Laputa”, observa que os astrónomos daquela terra descobriram “duas estrelas menores, ou satélites, que giram em torno de Marte”.
Marte realmente tem duas luas, Deimos e Phobos, encontradas em 1877 por Asaph Hall, embora Kepler tenha especulado sobre a sua possível existência – podendo até ter sido a inspiração de Swift. É por isso que uma cratera em Deimos recebeu o nome de Swift.
ZAP // Ars Technica