TRAPPIST-1 é uma estrela anã vermelha ultrafria ligeiramente maior, mais muito mais massiva, do que o planeta Júpiter, localizada a cerca de 40 anos-luz do Sol na direção da constelação de Aquário.
Entre os sistemas planetários conhecidos, TRAPPIST-1 é de particular interesse porque foram detetados em torno da estrela sete planetas, o maior número de planetas detetados em qualquer sistema exoplanetário.
Além disso, todos os planetas TRAPPIST-1 são rochosos e de tamanho terrestre, tornando-os um foco ideal para o estudo da formação planetária e da sua potencial habitabilidade.
Os cientistas da Universidade Estatal do Arizona, Cayman Unterborn, Steven Desch e Alejandro Lorenzo (Escola de Exploração Espacial e da Terra), com Natalie Hinkel da Universidade Vanderbilt, têm vindo a estudar estes planetas no que toca à sua habitabilidade, especificamente em relação à água na sua composição. Os seus achados foram recentemente publicados na revista Nature Astronomy.
Os cálculos equivalem a água
Os planetas de TRAPPIST-1 são curiosamente leves. Com base na sua massa e volume medidos, todos os planetas deste sistema são menos densos do que a rocha. Em muitos outros mundos de semelhante baixa densidade, pensa-se que este componente menos denso constitua gases atmosféricos.
“Mas os planetas de TRAPPIST-1 são demasiado pequenos em massa para agarrar gás suficiente para compensar o déficit de densidade”, explicou o geocientista Unterborn. “Mesmo que pudessem segurar o gás, a quantidade necessária para compensar o déficit de densidade tornaria o planeta muito mais inchado do que é”.
Os cientistas que estudam este sistema planetário determinaram que o componente de baixa densidade deve ser outra substância abundante: água. Isto já tinha sido previsto antes, e possivelmente até observado em planetas maiores como GJ1214b, de modo que a equipa interdisciplinar, composta por geocientistas e astrofísicos, resolveu determinar a quantidade de água que poderá estar presente nestes planetas de tamanho idêntico ao da Terra e determinar onde podem ter sido formados.
Mas qual a quantidade de água aí presente?
Para determinar a composição dos planetas de TRAPPIST-1, a equipa usou um pacote exclusivo de software, desenvolvido por Unterborn e Lorenzo, que usa calculadoras de física mineral de última geração.
O software, chamado ExoPlex, permitiu que a equipa combinasse todas as informações disponíveis sobre o sistema TRAPPIST-1, incluindo a composição química da estrela, em vez de se limitar apenas à massa e ao raio dos planetas individuais.
Grande parte dos dados usados pela equipa para determinar a composição foi recolhida a partir de um conjunto de dados chamado Catálogo Hypatia, desenvolvido pela coautora Hinkel. Este catálogo combina dados sobre a abundância estelar de estrelas próximas do Sol, de mais de 150 fontes de literatura, num enorme repositório.
O que encontraram através das suas análises foi que os planetas internos relativamente “secos” (“b” e “c”) eram consistentes com menos de 15% de água em massa (em comparação, 0,02% da massa da Terra é água).
Os planetas externos (“f” e “g”) eram consistentes com mais de 50% de água em massa. Isto equivale à água de centenas de oceanos terrestres. As massas dos planetas TRAPPIST-1 continuam a ser refinadas, de modo que estas proporções devem ser, por enquanto, consideradas estimativas, mas as tendências gerais parecem claras.
“O que estamos a ver pela primeira vez são planetas de tamanho terrestre que têm muita água ou muito gelo“, afirma Steven Desch, astrofísico da Universidade Estatal do Arizona e autor contribuidor.
Mas os cientistas também descobriram que os planetas de TRAPPIST-1 ricos em gelo estão muito mais próximos da sua estrela do que a linha de gelo.
A “linha de gelo” em qualquer sistema solar, incluindo o de TRAPPIST-1, é a distância à estrela para lá da qual a água existe sob a forma de gelo e pode ser acretada num planeta; no interior da linha de gelo a água existe como vapor e não é acretada. Através das suas análises, a equipa determinou que os planetas de TRAPPIST-1 devem ter-se formado muito mais longe da sua estrela, para lá da linha de gelo, e migrado para as suas órbitas atuais perto da estrela hospedeira.
Existem muitas pistas de que os planetas neste sistema e noutros sofreram uma migração interna substancial, mas este estudo é o primeiro a usar a composição para reforçar o caso da migração. Além disso, saber quais os planetas que se formaram dentro e fora da linha de gelo permitiu que a equipa quantificasse, pela primeira vez, esta migração ocorrida.
Dado que estrelas como TRAPPIST-1 são mais brilhantes logo após se formarem e gradualmente ficam mais fracas, a linha de gelo tende a mover-se para dentro ao longo do tempo, como a fronteira entre solo e chão coberto de neve em redor de uma fogueira moribunda numa noite fria. As distâncias exatas que os planetas migraram depende de quando se formaram.
“Quanto mais cedo os planetas se formaram”, comenta Desch, “mais longe da estrela teriam nascido para ter tanto gelo”. Mas, para as suposições sobre quanto tempo os planetas demoraram para se formar serem razoáveis, os planetas de TRAPPIST-1 devem ter migrado para o interior o equivalente a pelo menos o dobro da distância onde estão agora.
Uma coisa demasiado boa
Curiosamente, embora se pense que a água seja crucial para a vida, os planetas de TRAPPIST-1 podem ter demasiada água para a suportar.
“Geralmente pensamos que a água líquida é uma forma de dar início à vida, já que assim foi na Terra, pois é composta principalmente de água à superfície e é um requisito fundamental”, explicou Hinkel. “No entanto, um planeta oceânico, um que não tem qualquer superfície acima da água, não tem os ciclos geoquímicos elementares e importantes absolutamente necessários para a vida”.
Em última análise, isto significa que enquanto as estrelas anãs M, como TRAPPIST-1, são as estrelas mais comuns no Universo (e embora seja provável a existência de planetas em órbita destas estrelas), a enorme quantidade de água provavelmente tornou-os desfavoráveis à vida, especialmente vida suficiente para criar um sinal detetável na atmosfera que possa ser observado. “É um cenário clássico de ‘uma coisa demasiado boa'”, comentou Hinkel.
Assim sendo, embora possamos não encontrar evidências de vida nos planetas TRAPPIST-1, através desta investigação podemos ganhar mais conhecimentos sobre a formação dos planetas gelados e sobre os tipos de estrelas e planetas que devemos procurar na nossa busca pela vida.
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