O vírus da herpes é aquele hóspede que chega e nunca mais se vai embora – e consegue fazê-lo ao esconder-se do sistema imunitário, camuflando-se.
Sem ser reconhecido pelas células de defesa, o vírus deixa-se ficar confortavelmente na sua nova casa. A forma como esse “golpe” sempre funciona é um grande mistério para os cientistas, mas um estudo recente pode ajudar a resolver esse enigma.
O estudo da Universidade de Rockefeller (EUA), publicado em janeiro na Nature, captou imagens do vírus em ação, revelando como é que se insere numa determinada proteína para causar um “engarrafamento” numa rota importante do sistema imunitário.
“O trabalho ilustra um exemplo notável de como este vírus persistente evita o sistema imunitário”, explica a bióloga estrutural Jue Chen.
“Depois de entrar no corpo, o vírus nunca se vai embora. As nossas descobertas dão uma explicação mecanicista para a sua capacidade de não ser detetado pelos glóbulos brancos”, descreve.
Engarrafamento na proteína
Quando o vírus da herpes entra no corpo e invade as células, pequenos pedaços acabam presos na parede externa da célula. “Esses pedaços funcionam como um código de barras para as células de defesa, que percebem que o agente patogénico está presente, e o atacam”, descreve o investigador principal do projeto, Michael Oldham.
Uma parte do mecanismo envolvido para reter pequenas partes do vírus na superfície da célula é uma proteína chamada TAP, que funciona como uma ponte para passagem das partes do vírus pela membrana do retículo endoplasmático.
“As nossas descobertas mostram precisamente como é que essa proteína do vírus bloqueia a proteína TAP, o que traz dois efeitos. Um, evita que a proteína regular se ligue. Dois, faz com que o transportador fique preso nessa formação”, descreve Jue Chen.
Até agora, visualizar essa interação era impossível porque as amostras eram instáveis e se desintegravam com facilidade. Nesse estudo, os investigadores usaram uma técnica chamada de criomicroscopia eletrónica, que congela a proteína numa fina camada de gelo e permite que os cientistas observem a estrutura, ao estabilizar a amostra.
Vírus ensinam como bloquear a passagem
Ter esse conhecimento provavelmente não significa que um medicamento possa ser criado para impedir esse bloqueio da proteína TAP, já que ela não afetaria apenas esse transportador, mas sim as proteínas de todas as células.
Interferir acidentalmente com as TAP poderia atrapalhar outros processos celulares, o que traria sérios efeitos colaterais.
Conhecer esse processo, contudo, pode ajudar no tratamento de outras doenças que envolvem esse transportador.
A quimioterapia, por exemplo, poderia ser mais eficaz se essas proteínas pudessem ser pausadas por alguns momentos, já que são as responsáveis por tirar o medicamento das células antes da hora.
“Ainda não descobrimos como bloquear estes transportadores, mas pelo caminho estamos a aprender com o vírus como fazer isso”, diz Chen.