“Podemos ter 100 milhões de pedidos de asilo”. A polémica nova lei britânica para a imigração

Simon Dawson / 10 Downing Street / Flickr

Suella Braverman, Ministra do Interior do Reino Unido

A nova lei pretende impedir os migrantes que chegam ao Reino Unido de barco de voltar a entrar no país e de alguma vez pedir cidadania britânica. Os críticos apontam violações às convenções internacionais de direitos humanos.

O Governo do Reino Unido apresentou um novo pacote legislativo polémico que pretende controlar o fluxo de imigrantes para o país.

Mais de 45 mil pessoas atravessaram o Canal da Mancha em pequenas embarcações em 2022, um aumento de 60% em relação aos valores registados em 2021. Em 2023, já 2950 pessoas fizeram a travessia ilegalmente.

Tanto Rishi Sunak como a sua Ministra do Interior, Suella Braverman, já tinham manifestado o seu compromisso com um controlo mais apertado às entradas no país, com o primeiro-ministro a até incluir “parar os barcos” numa das suas cinco promessas de ano novo.

A nova lei pretende tornar inadmessíveis os pedidos de asilo de pessoas que cheguem ao Reino Unido nestes barcos e reforça o polémico programa de reencaminhamento dos migrantes para o Ruanda que já tinha sido iniciado pelo Governo de Boris Johnson.

De acordo com o The Guardian, estes migrantes serão também impedidos de voltar ao Reino Unido depois de serem expulsos e não poderão pedir cidadania britânica. Actualmente, os requerentes de asilo têm o direito a permanecer no país enquanto os seus pedidos estão pendentes e há cerca de 160 mil pessoas nesta situação.

A lei vai também passar a permitir a detenção dos migrantes sem caução ou decisão judicial durante 28 dias, até que sejam expulsos. O objectivo é limitar assim a capacidade dos migrantes de desafiar a deportação na justiça tendo por base as leis internacionais de direitos humanos.

Com as novas regras, o Ministério do Interior também passará a ter o dever legal de travar as entradas ilegais no país, sendo que esta mudança teria precedência legal sobre o direito dos migrantes de pedir asilo.

Apenas menores de 18 anos, pessoas com problemas de saúde graves, ou migrantes noutras “circunstâncias excepcionais”, como perseguição ou escravatura, poderão ficar no Reino Unido além destes 28 dias.

A proposta só deve entrar em vigor daqui a vários meses, mas teria efeitos retroactivos — ou seja, todos os migrantes que cheguem ao Reino Unido ilegalmente a partir desta terça-feira já arriscam ser deportados segundo as novas regras.

Recorde-se que o esquema de envio dos migrantes para o Ruanda ainda não saiu do papel ou fez qualquer viagem, após o primeiro avião ter sido impedido de levantar voo a 14 de Junho de 2022 devido a uma decisão em cima da hora do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Ainda não se sabe ao certo como é que o Governo britânico pretende contornar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Convenção de Refugiados das Nações Unidas, que oferecem a autoridade máxima e uma protecção legal aos migrantes que desafiem a deportação.

Mesmo assim, Suella Braverman afirma que a lei vai “ultrapassar os limites da lei internacional”, mas não a vai quebrar, sem especificar como.

Serão conhecidos mais detalhes sobre a lei quando Braverman e Sunak se encontrarem em França com Emmanuel Macron esta sexta-feira para debater, entre outros temas, a crise migratória.

100 milhões de pedidos de asilo?

Na sua intervenção na Câmara dos Comuns, esta terça-feira, Suella Braverman defendeu a nova lei.

“Para os que defendem as fronteiras abertas e rotas legais e seguras sem limites como alternativa, vamos ser honestos: segundo algumas contagens há actualmente 100 milhões de pessoas em todo o mundo elegíveis para a protecção com as nossas leis actuais. E vamos ser claros: eles estão a vir para cá. Vimos uma subida de 500% nas travessias em pequenos barcos em dois anos”, afirma.

A Ministra do Interior refere ainda que o sistema de asilo custa actualmente três mil milhões de libras anuais ao Estado. “Desde 2018, 85 mil pessoas entraram ilegalmente no Reino Unido através de pequenos barcos. Todos atravessaram vários países seguros onde podiam e deviam ter pedido asilo. Muitos vieram de países seguros, como a Albânia”, enumera.

“Eles não vão parar de vir para cá até o mundo saber, se entrarem no Reino Unido ilegalmente, serão detidos e rapidamente removidos. Removidos de volta para o seu país de origem se for seguro ou para um terceiro país seguro, como o Ruanda. É isto que esta lei vai fazer. É assim que paramos os barcos“, remata.

“Truques para aparecer nas manchetes”

A lei está a ser amplamente criticada pela oposição e por grupos de direitos humanos. O líder da oposição, Keir Starmer, já descreveu os planos como “inexequíveis” e o também Trabalhista Wes Streeting acusou o Governo de propor “truques para aparecer nas manchetes, mas não não funcionam”.

O Conselho dos Refugiados, uma das principais organizações de caridade que apoia os requerentes de asilo no Reino Unido, acusa o Governo de violar os seus compromissos com as Nações Unidas.

Enver Solomon, presidente do grupo, afirma à BBC que estes planos vão “aumentar os custos e gerar mais caos no sistema“. “É inexequível, caro e não vai parar os barcos”, aponta.

A director da Cruz Vermelha Britânica, Christina Marriott, também tece críticas à estratégica do executivo. “O que o Governo tem feito até agora, falar sobre levar as pessoas para o Ruanda, falar sobre sistemas de asilo mais duros, não está a resultar. Sabemos que o número de travessias no Canal estão a subir enquanto que as expulsões do país estão a cair. Isto não vai reduzir os números“, atira.

“Uma das razões pelas quais temos mais pessoas a atravessar o Canal é porque temos menos pessoas a chegar em camiões. Isto não é a crise que fazem parecer”, remata, recomendando antes que o Governo se foque em “rotas boas, seguras e controladas para o asilo”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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