“É o fim dos EUA”. Estará Trump a planear decretar a lei marcial este domingo?

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Will Oliver / EPA

Quando tomou posse, Donald Trump ordenou a realização de um relatório que abre a porta à invocação da Lei da Insurreição para controlar a fronteira sul. O prazo para a entrega do relatório acaba este domingo.

Nestes primeiros meses caóticos do segundo mandato de Donald Trump, é provável que já tenha dado de caras com um boato persistente nas redes sociais, com muitos a temer que o Presidente do Estados Unidos decrete a lei marcial a 20 de Abril.

“Acabei de saber desta ordem executiva (secção 6-b) que diz que Trump vai invocar a Lei da Insurreição de 1807 a 20 de abril, o que equivalerá a declarar a lei marcial. É o fim dos EUA”, escreveu um utilizador do Reddit a 19 de março.

Este rumor não é totalmente infundado. A 20 de Janeiro, Trump emitiu uma ordem executiva onde declarou uma emergência nacional na fronteira e ordenou que os Secretários da Defesa e da Segurança Interna apresentassem um relatório conjunto com “quaisquer recomendações relativas a ações adicionais que possam ser necessárias para obter o controlo operacional completo da fronteira sul, incluindo a possibilidade de invocar a Lei da Insurreição de 1807”. O prazo para apresentar o relatório termina amanhã.

A retórica dos membros da administração Trump nas últimas semanas tem reforçado este receio, com referências a uma “guerra” na fronteira. “É a guerra dos tempos modernos e vamos continuar a combatê-la e a proteger os cidadãos americanos em todas as fases do processo”, declarou a Procuradora-Geral Pam Bondi.

Desde que emitiu a sua ordem executiva, Trump também nomeou um fiel apoiante seu, Pete Hegseth, para Secretário da Defesa e substituiu o Presidente do Estado-Maior Conjunto por um membro da CPAC de quem se tornou próximo por ter usado um boné MAGA. O chefe de Estado também afastou os juízes advogados-gerais do Exército, da Marinha e da Força Aérea, que são responsáveis pela revisão da legalidade das ordens dadas pelo Presidente e pelo Secretário de Defesa.

Adicionalmente, Trump já afirmou que o gangue venezuelano Tren de Aragua estava a “invadir” os Estados Unidos e invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros, uma legislação de 1798 raramente utilizada, para poder deportar imigrantes — incluindo até casos de pessoas com autorização de residência — para uma mega-prisão em El Salvador, sem possibilidade de contestação judicial.

Os métodos usados para decidir quem é um membro do gangue também são muito falíveis, com as autoridades a basearem-se em suposições sobre tatuagens e a não terem, em muitos casos, provas concretas da pertença ao grupo criminoso. Trump também já avançou com sanções contra escritórios de advogados que representem clientes em processos contra o Governo, deixando os seus críticos completamente isolados e sem forma de se defenderem.

Nos casos que acabaram por ir para tribunal, as derrotas para Trump têm sido sucessivas, com os juízes a ordenar que o Governo faça regressar os imigrantes que foram levados para El Salvador.

O juiz federal James E. Boasberg decretou a suspensão temporária da aplicação da Lei dos Inimigos Estrageiros, mas a Casa Branca considera que a decisão do juiz não é válida e é uma “usurpação” dos poderes do Presidente.

Como resposta, Boasberg ameaçou acusar o Governo de desrespeito criminoso por desobedecer deliberadamente às ordens dos tribunais. “A Constituição não tolera desobediências voluntárias a ordens judiciais — especialmente por dirigentes que juraram cumpri-la”, escreveu o magistrado.

Até o Supremo Tribunal, que tem uma maioria ultraconservadora de 6 juízes — incluindo 3 que foram nomeados pelo próprio Trump — decidiu por unanimidade que a administração deve faciliar o regresso Kilmar Ábrego García, um salvadorenho que foi levado erradamente para a prisão, com a Casa Branca a confessar que houve “falhas” administrativos no seu caso. Os juízes disseram ainda que qualquer pessoa rotulada como um “inimigo” deve ser avisada e ter uma oportunidade de contestar a deportação em tribunal.

Na última madrugada, o Supremo também emitiu uma nova ordem para bloquear a deportação de uma segunda onda de imigrantes venezuelanos. No entanto, não há indícios de que Trump vá cumprir as ordens dos tribunais.

O que mudaria com a Lei da Insurreição?

Mas, então, o que mudará na prática caso o medo se confirme e Trump declare mesmo a Lei da Insurreição?

Um Presidente pode invocar a lei depois de determinar que “obstruções ilegais, combinações ou reuniões, ou rebelião” contra o Governo federal tornam “impraticável a aplicação” da lei dos EUA “pelo curso normal dos procedimentos judiciais”. Nesses casos, a Lei da Insurreição permitiria ao Presidente dirigir tropas federais “conforme considere necessário para fazer cumprir essas leis ou suprimir a rebelião”.

Assim, a invocação da Lei da Insurreição suspenderia a Lei Posse Comitatus, que proíbe os militares de participarem na aplicação da lei civil. Isto permitiria a Trump, enquanto comandante das Forças Armadas, dar ordens ao exército para enviar tropas para dentro dos Estados Unidos da América.

A lei está redigida de forma vaga e não define termos como “insurreição” ou “rebelião”. Em 1827, o Supremo Tribunal dos EUA decidiu que a autoridade para decidir se uma situação representa uma razão aceitável para invocar a Lei da Insurreição “pertence exclusivamente ao Presidente”.

Casos recentes da invocação da lei incluem os motins de 1992 em Los Angeles, causados pela absolvição de quatro polícias brancos acusados de espancar um homem negro, Rodney King. Nos anos 60, Kennedy e Eisenhower também invocaram a lei para forçar os Estados do sul a acabar com a segregação racial nas escolas.

Há já muito tempo que os juristas apelam a uma reforma “urgente” da Lei da Insurreição, considerando-a “arcaica” e “perigosamente vaga”. De acordo com o Centro Brennan para a Justiça, a Lei da Insurreição “precisa de uma grande revisão” por ser “perigosamente vaga e suscetível de ser abusada”, apesar de reconhecer que há raras circunstâncias em que possa ser “necessária”.

Lei da Insurreição não equivale à lei marcial

Apesar de parecerem a mesma coisa, há diferenças importantes entre a Lei da Insurreição e a lei marcial: quando a lei marcial está em vigor, os militares assumem o papel do Governo civil, ao passo que a Lei da Insurreição permite que os militares apenas assistam as autoridades civis e não as substituam totalmente.

Os peritos duvidam de que a situação na fronteira sul dos Estados Unidos constitua uma rutura ou obstrução da lei federal que exija o recurso à Lei da Insurreição, tal como esta foi concebida.

Tung Yin, professor da Lewis and Clark Law School, considera que é difícil perceber como é que os imigrantes que entram ilegalmente no país estão a obstruir as leis estatais ou federais. A obstrução é “mais parecida com um exército invasor ou talvez com motins tão graves que o Governo perdeu o controlo”, afirma à Al-Jazeera.

Yin lembra que a Lei da Insurreição “pode parecer uma ‘lei marcial’ para um leigo”. “Mas não se trata de um Governo militar, que é aquilo em que as pessoas geralmente pensam”, explica.

Embora a especulação seja elevada, por enquanto, não foi anunciada qualquer intenção de invocar a lei. Até que seja feita uma declaração oficial, a utilização da Lei da Insurreição continua a ser uma possibilidade, não uma certeza.

Adriana Peixoto, ZAP //

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