O que Putin andou (mesmo) a fazer na Alemanha

As teorias sobre um jovem espião russo, que terá encorajado terroristas alemães a cometer homicídios, nos anos 80.

Na Alemanha circulam – há muito tempo – rumores sobre um alegado espião da KGB em Dresden chamado Vladimir Putin.

Sim, o actual presidente da Rússia.

Putin, que no início desta narrativa tinha apenas 32 anos, era um jovem oficial do KGB, os serviços secretos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Estaria numa missão ultra-secreta em Dresden, na altura parte da República Democrática da Alemanha – RDA, a Alemanha Oriental.

Teria contacto com terroristas de uma organização de extrema-esquerda chamada Facção do Exército Vermelho, que estava na outra a Alemanha, a República Federal da Alemanha (RFA, Ocidental).

E, dizem os rumores, Putin deu armas aos terroristas, foi ele quem orientou os terroristas e até liderou várias reuniões secretas, de conspiração, entre KGB, Ministério de Segurança do Estado da RDA e a Facção do Exército Vermelho; algumas delas para planear assassinatos.

Entre os alvos estaria uma figura importante da economia alemã daquela altura: Alfred Herrhausen. Era presidente do Deutsche Bank e foi assassinado em 1989, poucos dias depois da queda do Muro de Berlim. Suspeita-se que a Facção do Exército Vermelho foi a autora do crime.

Como recompensa, os terroristas vinham da RFA para Dresden para oferecem presentes ao jovem espião soviético: um rádio Grundig ou um auto-rádio (roubado) da Blaupunkt.

Putin até teria estado envolvido numa operação secreta para derrubar o Governo de então da RDA.

A fonte…

Mas há um problema nestas suspeitas todas.

É que quem terá revelado esta fase da vida de Vladimir Putin é Dietmar C. de Dilingen.

Esse alemão esteve preso várias vezes. Foi condenado por peculato, roubo, coerção ou violações da lei de armas, entre outros antecedentes criminais (incluindo declarações falsas). 12 condenações no total.

E é autor de teorias questionáveis, de histórias incríveis onde o próprio é protagonista. Mas cujas bases reais, históricas, escasseiam.

Até contou que esteve com Osama Bin Laden várias vezes – mas os registos prisionais mostram que estava preso nessa época.

Na verdade, Dietmar passou grande parte da década 1980 dentro de uma prisão.

É um bom contador de histórias, mesmo que não sejam verdadeiras – e nunca foi membro da facção de extrema-esquerda.

Também não se sabe onde estudou, como obteve as suas alegadas habilitações académicas.

Hoje faz parte da direcção de uma associação na Baviera. É consultor jurídico.

O que Putin realmente fazia

A revista Der Spiegel investigou e assegura que não há evidências convincentes para confirmar todas as suposições relatadas nos primeiros parágrafos deste artigo.

Putin esteve mesmo em Dresden entre 1985 e 1990, era membro do KGB na Alemanha Oriental, mas as poucas vezes que o seu nome aparece nos documentos dos serviços secretos da RDA estão ligadas a outros contextos: eventos básicos, cerimónias de aniversários, assuntos administrativos, entregas de certificados, ou festas à noite entre alemães da RDA e soviéticos.

Um elemento perigosíssimo da KGB.

Ou, mais a sério, era um “moço de recados”, como descreveu Horst Jehmlich, adjunto do último chefe em Dresden dos serviços secretos da Alemanha Oriental.

Uma pessoa que morava ao lado do escritório de Vladimir Putin em Dresden acrescentou que o agora líder da Rússia só analisava os inúmeros pedidos de entrada na RDA, de familiares que viviam na RFA.

Ou era um informador que procurava outros possíveis informadores entre jovens estrangeiros que estavam a estudar em Dresden.

Mas, salienta a revista, muitos arquivos dos serviços secretos da RDA foram destruídos. Desapareceram. Sobre Putin… quase nada.

O que deixa este dilema: o que Putin fazia era tão importante que o seu passado foi apagado, ou era tão irrelevante que os arquivos sobre as suas funções só iam ocupar espaço?

Há uma certeza: ainda hoje, em 2023, Vladimir Putin nunca esclareceu o que andou a fazer na Alemanha.