Por que é que o JUICE está a demorar taaaanto tempo?

ESA

Impressão de artista da nave espacial JUICE a explorar Júpiter e Ganimedes.

No ponto mais próximo das suas órbitas, a Terra e Júpiter estão separados por quase 600 milhões de quilómetros. Mais de cinco meses após o lançamento, a JUICE já percorreu mais de 380 milhões de quilómetros, mas em termos de tempo só está a 5% do caminho. Porque é que está a demorar tanto tempo?

A resposta depende de uma série de fatores que os especialistas em dinâmica de voo do Controlo da Missão da ESA conhecem bem, desde a quantidade de combustível utilizada à potência do foguetão, à massa da nave espacial e à geometria dos planetas.

Com base nisto, os peritos em dinâmica de voo da ESA concebem uma rota. O mundo da mecânica orbital é um lugar contraintuitivo, mas com um pouco de paciência e muito planeamento permite-nos fazer muita ciência com pouco combustível.

Acompanhe o movimento de planetas, luas, estrelas e galáxias, e verá que estão sempre em movimento em torno de outro objeto.

Quando uma missão é lançada, não salta de uma Terra imóvel, mas de um planeta que se move a cerca de 30 km/s em torno do Sol.

Como tal, uma nave espacial lançada da Terra já tem uma grande quantidade de “energia orbital” – a única unidade que importa para determinar o tamanho de uma órbita em torno de um corpo central. Logo após o lançamento, uma nave espacial está mais ou menos na mesma órbita que o nosso planeta está em torno do Sol.

Para se libertar desta órbita e voar em linha reta, o mais curto possível, da Terra a Júpiter, seria necessário um grande foguetão e muito combustível. Mas pode ser feito.

O problema seguinte é que precisaríamos de ainda mais combustível para travar e entrar em órbita à volta de Júpiter, para não passar apenas por ele.

Visando espaço vazio

Júpiter e a Terra estão sempre a mover-se um em relação ao outro. No seu ponto mais distante, em lados opostos do Sol, estão separados por 968 milhões de quilómetros.

A distância mais curta entre os dois planetas é quando a Terra e Júpiter estão do mesmo lado do Sol, com pouco menos de 600 milhões de quilómetros entre eles. Mas estão nesta posição apenas por um momento antes de a distância aumentar novamente, nunca permanecendo a uma distância constante.

Os planetas estão todos a mover-se a ritmos diferentes nas suas órbitas à volta do Sol. Imagine atirar uma bola a um alvo em movimento a partir de um veículo em movimento.

Os engenheiros têm de calcular o momento ideal para dar o salto numa trajetória circular desde a órbita da Terra até onde Júpiter estará quando a nave espacial chegar, e não onde está quando a nave espacial deixar a Terra.

Então, partindo do princípio que temos o foguetão mais potente disponível e que lançamos na trajetória mais curta no momento certo, quando os planetas estão alinhados corretamente, quanto tempo demoraria?

As primeiras missões espaciais, como as sondas Voyager e Pioneer, fizeram a viagem em menos de dois anos, e a mais rápida viagem de um objeto até Júpiter foi a da missão New Horizons.

Lançada no dia 19 de janeiro de 2006, a New Horizons fez a sua maior aproximação a Júpiter no dia 28 de fevereiro de 2007, demorando pouco mais de um ano a chegar ao planeta.

Todas estas missões continuaram o seu caminho, sendo excelentes exemplos para determinar o tempo necessário para um “flyby” por Júpiter a caminho de outro lugar.

Quanto mais longa a estadia, mais lenta a aproximação

Para entrar em órbita do enorme planeta, para o estudar de todos os lados e, com o tempo, talvez até entrar em órbita à volta de uma das suas luas – uma “estreia” da JUICE – é preciso perder alguma energia.

Esta “desaceleração” exigirá muito combustível para uma grande manobra de inserção em órbita.

Se não quisermos lançar com grandes quantidades de combustível, optamos pela rota panorâmica, com uma duração de transferência de 2,5 anos.

É aqui que vemos a massa da nave espacial como um fator crucial para determinar o tempo necessário para chegar a qualquer lugar. Os engenheiros precisam de controlar a massa da nave espacial, equilibrando a quantidade de combustível com os instrumentos que precisa de transportar para completar a sua missão.

Quanto mais massa tiver a nave espacial, mais combustível terá de transportar, o que aumenta o seu peso e dificulta o seu lançamento.

E é aqui que entra o desempenho do foguetão de lançamento. A nave espacial precisa de ser lançada com velocidade suficiente para escapar à gravidade da Terra e para ser atirada para o Sistema Solar exterior. Quanto melhor for o empurrão, mais fácil será a viagem.

A JUICE é uma das sondas interplanetárias mais pesadas alguma vez lançadas, com mais de 6000 kg, e possui o maior conjunto de instrumentos científicos alguma vez levado a Júpiter — com tecnologia e diretor portugueses.

Mesmo o enorme impulso do foguetão de carga pesada Ariane 5 não foi suficiente para enviar a JUICE diretamente para lá em poucos anos.

Por isso, missões como a JUICE e a Europa Clipper, ou como a Galileo e a Juno no passado, têm de recorrer a manobras de “assistência gravitacional” ou de “flyby” para ganhar velocidade extra. Quanto mais potente for o foguetão, mais curta será a transferência.

ESA

A linha temporal da viagem da JUICE até Júpiter e dentro do sistema joviano.

Troca de energia com o Sistema Solar

Plutão, no limite do Sistema Solar, viaja numa órbita muito maior do que Mercúrio, o planeta mais interior.

Embora Plutão se mova mais lentamente em relação ao Sol, a sua energia orbital é muito, muito maior do que a de Mercúrio. Para colocar uma nave espacial em órbita de outro planeta, temos de igualar a sua energia orbital.

Quando a BepiColombo foi lançada, a sua energia orbital era a mesma que a da Terra. Teve de perder energia para se aproximar do centro do Sistema Solar e fê-lo perdendo o excesso de energia orbital ao aproximar-se dos planetas vizinhos.

O mesmo funciona em sentido inverso para viajar para o Sistema Solar exterior. Para entrar numa órbita maior, mais afastada do Sol, a JUICE segue uma trajetória que lhe permite roubar energia orbital à Terra, a Vénus e a Marte.

Dependendo da direção relativa do movimento do planeta e da nave espacial, uma assistência gravitacional pode acelerar, abrandar ou mudar a direção da missão (a nave espacial também desvia o planeta, mas por uma quantidade tão minúscula que é insignificante.

No entanto, a terceira lei do movimento de Newton foi preservada: “A toda a ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”).

A JUICE utilizará uma série de passagens pela Terra, pelo sistema Terra-Lua e por Vénus para definir a rota para o seu encontro em julho de 2031 com o sistema joviano.

Órbita no fio da navalha

A parte mais desafiante para a equipa de controlo de voo da ESA acontece quando a JUICE chegar finalmente a Júpiter, em 2031, e durante a sua viagem pelo sistema de Júpiter.

A desafiante trajetória da JUICE envolve múltiplas assistências gravitacionais a caminho de Júpiter – incluindo o primeiro “flyby” Lua-Terra de sempre – e, uma vez lá, um impressionante número de 35 “flybys” pelas suas luas galileanas Europa, Ganimedes e Calisto.

O foco final será Ganimedes, tornando a JUICE a primeira nave espacial a orbitar uma lua que não a nossa.

A manobra mais importante que as equipas de controlo da missão da ESA na Alemanha irão supervisionar será a desaceleração da JUICE em cerca de 1 km/s, apenas 13 horas após uma assistência gravitacional por Ganimedes, e a “saída” para entrar no sistema de Júpiter, colocando a nave espacial em órbita à volta do gigante gasoso.

Entrar em órbita de outro corpo celeste é difícil. Uma nave espacial tem de se aproximar com a velocidade perfeita, a partir de um ângulo preciso, e depois executar uma grande e vital manobra no momento certo, numa direção específica e com a dimensão correta.

Se nos aproximarmos demasiado depressa ou devagar, demasiado raso ou íngreme, ou se manobrarmos no momento errado, com a quantidade ou a direção erradas, perdemo-nos no espaço. Ou ficamos suficientemente longe da trajetória para que seja necessário muito – talvez demasiado – combustível para corrigir o seu caminho.

A JUICE vai aproximar-se das luas de Júpiter, trocando com elas a energia que conservaram durante milhares de milhões de anos, para obter uma visão destes ambientes como nunca antes.

Poderá haver vida sob os oceanos gelados de Ganimedes, Calisto ou Europa? O que podemos aprender sobre a formação de planetas e luas em todo o Universo? Através da maravilha da dinâmica de voo, trocando energia com o Universo, descobriremos em breve.

// CCVAlg

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