O Vaticano no xadrez geopolítico global: Francisco depois de Pio XII e João XXIII

Michael Reynolds / EPA

A historiadora e vaticanista brasileira Mirticeli Dias Medeiros considera que o Vaticano regressou ao tabuleiro geopolítico global com o Papa Francisco, cujo pontificado é também marcado por questões internas, como a reforma e a sinodalidade.

“Com Francisco, o Vaticano, enquanto Estado, depois de um hiato de longos anos, voltou para o tabuleiro geopolítico global”, afirmou à agência Lusa Mirticeli Dias Medeiros.

Segundo a jornalista, o Papa Francisco, eleito em 13 de março de 2013, teve de “lidar com uma onda de crises mundiais que afetaram o mundo e, inevitavelmente, também interferiram na forma de conduzir o seu governo”.

Além de questões internas, “focadas na reforma e na sinodalidade”, Mirticeli Dias Medeiros explicou, numa entrevista por escrito, que o chefe de Estado do Vaticano “teve de se desdobrar para assumir um papel de mediação em relação ao conflito no leste europeu”.

“Isso redimensionou, de certa forma, as prioridades do seu pontificado”, notou, referindo que Francisco “seguiu os passos de Pio XII, João XXIII e tantos outros que, no século passado, colocaram a instituição no centro” de assuntos não religiosos.

Pio XII foi Papa entre 1939 e 1958 e João XXIII entre 1958 e 1963.

De Pio XII, a vaticanista realçou a atuação diplomática na II Guerra Mundial (1939-1945). De João XXIII, a historiadora realçou o Concílio Vaticano II e a sua atuação na Crise dos Mísseis (1962), para evitar a escalada do conflito que opôs Estados Unidos da América e Cuba.

Mirticeli Dias Medeiros, que participou em 20 viagens com papas, 10 das quais com Francisco, salientou que este é um “Papa reformador”, considerando que nele sobressai a forma como comunica.

“O Dicastério da Comunicação foi um dos primeiros a serem reformados pelo pontífice em 2013”, declarou, notando que isso demonstra o quanto o Papa “se esforça para tornar a mensagem da instituição a mais clara e acessível possível”.

A historiadora, a fazer o doutoramento em História da Igreja na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, não tem dúvidas de que Francisco “foi eleito para ser um grande promotor do diálogo entre a Igreja Católica e a sociedade”.

“E creio que ele tem correspondido a essa missão que lhe foi confiada naquele conclave de 2013”, considerou.

Para Mirticeli Dias Medeiros, no pontificado de Francisco “há muito para destacar”, dado estar-se “diante de um papa bastante mediático que, com os seus gestos, consegue chamar a atenção até de quem está fora da Igreja”.

“No entanto, vendo a partir de dentro, ele é o pontífice que consegue entender os anseios do homem pós-moderno e, por isso, preocupa-se com a forma que a Igreja Católica se apresenta ao mundo”, adiantou.

De acordo com a historiadora, o Papa Francisco “entende, por conseguinte, que a instituição deve ser referência de acolhimento num mundo no qual as pessoas anseiam por uma experiência que dê sentido às suas vidas”.

“Como ele gosta de dizer, ‘uma mãe não escreve documentos, ela abraça seus filhos’”, afirmou, adiantando que, independentemente de integrarem ou não o voo papal, Francisco “é sempre muito atencioso” com os jornalistas.

“Vemos um salto muito grande no trato aos jornalistas durante o seu pontificado. O pontífice quer contar com a imprensa e faz questão de enfatizar isso”, garantiu, acrescentando que a sua “experiência mais marcante” com Francisco foi durante a viagem apostólica a Malta, em abril de 2022.

“Já muito debilitado por causa do joelho, ele não deixou de cumprimentar os jornalistas durante o voo e cumpriu toda agenda prevista naquela ocasião”, destacou a historiadora.

// Lusa

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