Escritor acha que o “mundo vive em guerra, mesmo nos territórios onde se pensa que existe um sentimento de paz”.
Mia Couto ganhou recentemente o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas 2024.
É uma distinção e quase 136 mil euros entregues pelo júri da Feira Internacional do Livro (FIL) de Guadalajara, no México.
Foi um prémio não só para o escritor: “É um prémio para um mundo que normalmente é deixado à margem, sem que haja percepção dessa marginalização”.
Em entrevista à Voz da América, o escritor falou sobre esse “mundo invisível”, sem atribuir culpados.
Aliás, as pessoas de África, América do Sul, Ásia, fora do “centro do mundo”, estão até a ajudar a tornarem-se menos visíveis: “Querem ser como os outros, em vez de afirmarem a sua individualidade, as suas características únicas; queremos imitar o que os outros fazem e temos um certo pudor de mostrar que o modo de olhar e sentir os outros que, aqui, é realmente diferente”.
Mia Couto acha que “o mundo vive em guerra, mesmo nos territórios onde se pensa que existe um sentimento de paz, de harmonia. Há cada vez mais um estado de conflito permanente, uma crise que se quer eternizar”.
“Os outros não são apenas outros – são inimigos, são gente a abater“, lamentou o escritor.
O moçambicano também abordou a guerra constante que o seu país atravessa. Portugal não vive muito este clima, mas Moçambique vive uma “guerra muito violenta, de terror”.
Mia Couto está preocupado até porque, lembra: “Este é um país que passou mais de metade dos seus 50 anos em situações de guerra. É uma saturação, não queremos viver como se a guerra fosse normal e insuperável”.
O escritor sente “alguma apreensão” ao falar sobre as eleições em Moçambique, marcadas para o dia 9 de Outubro – e cuja campanha eleitoral está a ser marcada por violência e detenções.
“O que está em causa agora não é escolher um partido. É muito mais profundo: que tipo de governação queremos? Que tipo de atitude de moral e ética deve prevalecer?”, questionou.
E ainda atirou: “Quem vence a eleição, acredita ser o dono do país e da verdade”.
Perante este cenário, Mia Couto defende uma revolução não violenta, um “golpe radical”, no qual a “elite nova deve ser o exemplo, em vez de se achar acima da lei e dona exclusiva dos recursos, com ganância ilimitada pelo poder e pela riqueza”.