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As autoridades russas retiraram os talibãs da sua lista de organizações terroristas. O Kremlin pode agora assinar acordos com o Afeganistão – e também melhorar as suas relações com o governo de transição na Síria.
A 17 de abril, numa sessão à porta fechada, o Supremo Tribunal da Federação Russa levantou “temporariamente” a proibição imposta pela Rússia aos Talibãs. O pedido foi apresentado pelo gabinete do Procurador-Geral.
O pedido baseava-se num decreto do Presidente Vladimir Putin, publicado há um ano, que permitia retirar os talibãs, um movimento político e religioso ultraconservador do Afeganistão, da lista de organizações terroristas da Rússia. Os talibãs recuperaram o poder em Cabul em 2021, após a retirada das forças da coligação internacional do Afeganistão.
De acordo com a legislação russa, qualquer membro dos talibãs que entre na Rússia deve ser detido e pode ser condenado a até 20 anos de prisão sob a acusação de envolvimento em atividades terroristas. Na prática, porém, nenhum membro dos talibãs foi detido ao entrar na Rússia desde 2016.
Foi nessa altura que o Kremlin iniciou negociações não oficiais com os talibãs. Desde então, representantes dos talibãs visitaram repetidamente Moscovo e São Petersburgo e estiveram mesmo presentes à margem do Fórum Económico Internacional de 2024.
Os meios de comunicação social russos continuaram a referir-se aos talibãs como uma “organização terrorista, proibida na Rússia”. No entanto, esta situação mudou em 2024, quando Putin começou a descrever os talibãs como “aliados na luta contra o terrorismo”.
Os Estados Unidos não designam os talibãs como uma organização terrorista, mas classificam-nos como um movimento insurreto.
Os talibãs apoiaram os combatentes chechenos
Durante a segunda guerra da Chechénia, que durou de 1999 a 2009, os talibãs apoiaram os combatentes chechenos contra Moscovo, tanto financeiramente como com armas. Estabeleceram relações diplomáticas com o governo checheno de Aslan Maskhadov e reconheceram a declaração de independência da república autónoma da Rússia.
Na sequência dos ataques terroristas da Al-Qaeda nos Estados Unidos, a 11 de setembro de 2001, os talibãs, que governavam a maior parte do Afeganistão desde 1996, foram expulsos por uma coligação liderada pelos Estados Unidos. Os aliados da NATO enviaram então a missão ISAF para apoiar o novo governo afegão ao abrigo de um mandato do Conselho de Segurança da ONU.
Os talibãs esperavam obter o apoio de Moscovo. Numa entrevista posterior à BBC, o então chefe de gabinete da administração presidencial russa, Sergei Ivanov, revelou que o líder espiritual do Afeganistão, Mullah Omar, tinha proposto em 2001 que a Rússia e os talibãs unissem forças “para combater a agressão americana”.
Segundo Ivanov, a resposta do Kremlin, em inglês, foi: “F*** off”. Em 2003, a Rússia designou oficialmente os talibãs como uma organização terrorista.
No entanto, em 2015, o Kremlin começou a estabelecer “canais de comunicação” com os talibãs. No ano passado, Putin assinou o decreto que permite a sua retirada da lista de terrorismo. Este processo pode também permitir a Moscovo retirar da lista o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o grupo que controla atualmente o governo de transição na Síria.
O que muda, em termos jurídicos?
A decisão do Supremo Tribunal parece permitir à Rússia concluir diretamente acordos globais com o Afeganistão. Evgeniy Smirnov, do grupo independente de direitos humanos Pervyi Otdel (“Primeiro Departamento”), disse à DW que a lei criminal russa estipula penas de prisão de duração variável para a colaboração com organizações designadas como terroristas.
Apesar disso, foram assinados contratos em 2024 para o fornecimento de produtos petrolíferos, trigo e farinha. Smirnov comentou que estes acordos podem ter sido feitos através de estruturas empresariais sem representantes dos talibãs diretamente envolvidos.
Smirnov também observou que a legislação russa não define claramente um procedimento para reverter uma designação de terrorismo. “A remoção temporária significa que a organização está efetivamente fora da lista. A partir desse momento, a colaboração com os talibãs deixa de ter consequências penais. No entanto, as condenações existentes não podem ser anuladas”, explicou.
Imunidade política na Rússia
O especialista no Médio Oriente Ruslan Suleymanov afirmou que, até à data, nenhum país reconheceu oficialmente os talibãs como o governo legítimo do Afeganistão. Mas, acrescentou, os talibãs estão a tentar pôr fim ao seu isolamento internacional. Já convenceram o Cazaquistão e o Quirguistão a retirar o grupo das respetivas listas nacionais de organizações terroristas.
No entanto, advertiu, “até agora só obtiveram um reconhecimento indireto. A China, por exemplo, concordou em aceitar o embaixador nomeado pelos talibãs, enquanto a Rússia apenas aceitou um encarregado de negócios temporário”.
Na sua opinião, o ceticismo internacional em relação aos talibãs deve-se ao regresso de leis rígidas e repressivas ao Afeganistão, semelhantes às que vigoraram no seu anterior período de governo, entre 1996 e 2001. A situação dos direitos humanos no país deteriorou-se drasticamente, especialmente para as mulheres e raparigas.
Suleymanov acrescentou que Moscovo começou a estabelecer laços com representantes talibãs mais moderados no contexto do agravamento das suas relações com o Ocidente, uma vez que a Rússia se considera um ator-chave na região. Este facto está relacionado com a imunidade política de que os representantes talibãs têm beneficiado quando se deslocam à Rússia.
Segundo Suleymanov, quando os EUA se retiraram do Afeganistão em 2021, o Kremlin quis demonstrar que a política externa americana tinha falhado.
“A propaganda russa aplaudiu os talibãs e, de modo geral, isso continua até hoje, no meio da retórica antiocidental em curso na Rússia.”
ZAP // Deutsche Welle
Terroristas, não consideraram terroristas os terroristas.